sábado, 28 de maio de 2011

ÓXI: A DROGA QUE FRITA O CÉREBRO

Quem já usou diz que a garganta ferve. A pedra de óxi, a R$ 2, está chegando ao Estado e já faz vítimas. O temor é que, por ser mais barata que o crack (R$ 5), seja mais devastadora. Cinco vezes mais letal do que o crack, o óxi deixa um rastro de morte no organismo. Afinal, tem cocaína, querosene, cal virgem e água de bateria, entre outras substâncias.
O viciado em crack, que ilustra esta página, e pede para não ser identificado, admite a tentação de experimentar a novidade. Mas já teme dar passo maior rumo à morte. Para alertar as pessoas sobre o flagelo da droga, o Diário Gaúcho apresentará, até quinta-feira, os males do óxi. Na primeira reportagem da série, os danos ao cérebro.

Relato expõe a tentação pelo óxi
Aos 25 anos, Felipe (nome fictício) tem 1,80m e menos de 50kg. É só pele, osso e uma tatuagem na barriga com o símbolo da morte. A imagem parece vigiar a imensa cicatriz deixada por uma facada há um mês. São marcas do que resta dele depois de seis anos usando drogas – quatro deles no crack. Tempo suficiente para perceber que está em limiar perigoso. Além da facada, Felipe já escapou da morte outras cinco vezes, em situações que foram desde tiros até complicações pelo uso da droga.
Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostra que 30% dos usuários de crack morrem até o quinto ano de uso. Quem opta pelo óxi tem 30% de chance de morrer ao final de 12 meses. Ou seja: a droga que foi flagrada no Estado pela primeira vez em maio, é cinco vezes mais letal.
O limite de sua abstinência foi de dois meses
Em Esteio, Felipe garante que nunca experimentou o óxi – conhecida como "pedra de dois". Mas balança:
– Tá louco, é mais barata e dizem que dá óbito em um mês. É um horror, mas se caísse na minha mão, não sei se eu aguentaria. Mas eu não quero mais isso para mim.
Há uma semana, Felipe está internado no Hospital São Pedro na sua terceira tentativa de se desintoxicar. Uma missão que ele mesmo sabe não ser fácil. O máximo que conseguiu ficar "limpo" até hoje foi dois meses.
A cada final de semana esticado – de quinta a terça-feira – Felipe, literalmente, se acabava na pedra. Segundo ele, havia noites em que o consumo não baixava de R$ 100, o suficiente para 20 pedras.
Depois de uma semana, ele dá sinais de melhora
O bioquímico do IPA Marcello Mascarenhas define: a pedra gera dependência "psicossociobiológica".
– A pessoa adoece fisicamente e nas relações sociais. O instante de prazer induzido pela droga não compensa o estrago que ela faz - explica o professor em toxicologia.Quem testemunha a transformação de Felipe é a sua mãe, uma dona de casa de 47 anos. Ela lamenta:
– A droga mata o meu filho aos poucos. É triste vê-lo definhando.
Depois de uma semana internado, de acordo com a psicóloga Renata Brasil Araújo, Felipe já dá sinais de recuperação. É um dos mais participativos nas atividades.
– Ele começou a se enxergar de um jeito melhor. Até cortou o cabelo - explica a coordenadora da unidade de dependentes químicos do São Pedro.
"Ela nunca vai me perdoar por isto" - Felipe, ao se referir à mãe de seu filho, abandonada por ele no dia em que o bebê nasceu.
Drogado, ele se transforma. Já me agrediu com chute". Mãe de Felipe, contando sobre um dia de fúria em função de abstinência
A droga liquida a capacidade de optar pelo que é melhor para si" - Carlos Salgado, psiquiatra

A evolução no tóxico
Há um ano e quatro meses, quando o filho de Felipe nasceu, ele estava no "fumódromo" de Esteio. Levou três dias para ver a namorada e o bebê. Seu drama, porém, começou aos 15 anos, quando fumou maconha, pela curiosidade.
Aos 19, experimentou "pitico", quando o baseado é misturado com crack. No mesmo período, começou a usar cocaína. Mas era uma droga cara para ele.
Com 21 anos, se jogou no crack. Felipe perdeu a moto e boa parte do que a mãe tinha. Quando atuou como metalúrgico, queimava todo salário.
– Ele queria levar até o edredom para entregar na boca – revela a mãe.
Para o psiquiatra Carlos Salgado, o uso crônico do crack e do óxi acabam com os critérios sociais. Não é à toa que boa parte das mortes violentas entre jovens esteja ligada ao tráfico.
A cabeça fervilha. E comanda
A cada final de semana de Felipe, a sua cabeça fervilha. E mesmo que fisicamente pareça esgotado, o cérebro pede mais droga. É que o entorpecente age no "sistema de recompensa" do cérebro, que lhe garante a sensação de prazer e satisfação.
Na fala arrastada de Felipe está o resultado que fica depois da euforia. Ele abandonou os estudos faltando um ano para terminar o ensino médio.
– Era só eu entrar em uma sala mais fechada e já batia a fissura. Não consigo me concentrar – diz.
Da euforia para a tristeza, sem escalas
Como explica o bioquímico Marcello Mascarenhas, com o uso repetido do composto da cocaína, o cérebro já não volta da euforia extrema ao estado normal. A sensação recai diretamente na tristeza. Como se fosse necessário o crack para sair do que é ruim.
Tamanha variação de humor faz com que os usuários desenvolvam depressão, hiperatividade e esquizofrenia. Quando há predisposição à síndrome do pânico, por exemplo, o crack acelera o processo.
Combustíveis potencializam quadros de demência
A perspectiva dos especialistas é de que os danos cerebrais com o óxi sejam potencializados pela impregnação de combustíveis e de cal virgem.
– Quadros de demência e perda motora podem ser acelerados – conta o psiquiatra Carlos Salgado.
Na prática, o que a droga produz é a destruição de parte do cérebro. Primeiro, morrem as capacidades de memória e de planejamento. Todo o metabolismo do órgão torna-se refém da droga, a ponto de precisar dela para funcionar.

O que é o óxi:
- Pasta de cocaína com até 80% de concentração, querosene, cal virgem e água de bateria.

O que é o crack:
- Pasta de cocaína com até 40% de concentração, bicarbonato de sódio, amoníaco e água.

O caminho do estrago
– A chegada - Em cinco segundos, o óxi, já processado no organismo, chega ao cérebro, provocando sensação de euforia imediata, com potência até dez vezes maior que a provocada pela cocaína cheirada, mas menos duradoura. Em média, quatro minutos. O cal virgem pode provocar cegueira momentânea. É a reação à fumaça.
– A dopamina - É uma substância psicoativa produzida no organismo em situações ligadas à sensação de prazer e necessidade. Drogas com base de cocaína desregulam a transmissão. A dopamina circula pelo cérebro por mais tempo. E a potência do fenômeno, com o óxi, será maior.
– O prazer - Com excesso de dopamina, a sensação é de prazer imediato. No viciado, o cérebro torna-se dependente. Na abstinência, o estado de excitação (fissura) se torna depressão. Tamanha atividade cerebral tende a deteriorar partes como a responsável pela memória.
– A sobrevivência - A função primordial do núcleo de prazer do cérebro é garantir sobrevivência. Estão associadas funções como alimentação, proteção e sexo. Ao mesmo tempo, a droga trava funções de planejamento e freio social. Para o cérebro corrompido pela substância psicoativa esta é uma questão de sobrevivência.
– A insônia - A droga desencadeia no cérebro ações de vigilância, como fugir ou lutar. Por isso o viciado fica horas acordado. E quando dorme, desaba: o sistema apaga sem o estímulo.

DIÁRIO ADVERTE: ÓXI AFETA O CÉREBRO
Dores de cabeça - É o primeiro sintoma com a chegada da droga ao cérebro, como resposta do organismo que ainda tenta se defender. Com o óxi, os primeiros usuários relatam dor mais forte e constante. Especialistas atribuem o fato, além do efeito da atividade cerebral acelerada, a querosene, gasolina ou água de bateria acrescidos à pasta de cocaína.
Convulsões - São resultados do acúmulo da dopamina. Geralmente acontecem no pico de uso da droga e, quanto maior a dose, como é o caso do óxi, a tendência é de que aumentem a frequência.
AVC - A sobrecarga que a droga provoca hemorragias, levando a acidentes vasculares cerebrais.
Esquizofrenia, depressão e psicose - São os principais resultados do desequilíbrio da dopamina no cérebro ao longo do tempo de uso do crack ou do óxi.
Morte do cérebro - As células cerebrais começam a morrer por sobrecarga. São comuns os derrames. Estudos apontam que uma das partes mais afetadas do cérebro está ligada à visão.
Desafios da prevenção
Se, nos anos 90, o avanço do crack no Brasil pegou o sistema público de saúde desprevenido, a expectativa é de que a reação ao óxi mostre um quadro diferente. No São Pedro, a psicóloga Renata Araújo comanda um embrião dessa empreitada:
– Nosso desafio é deter a curiosidade em relação à nova droga, especialmente dos que já são usuários. A prevenção se faz quando eles compreendem que o óxi só lhes fará mal.
Há técnicas para evitar a recaída
Por semana, os 25 internados desta unidade participam de grupos de discussão. Com a ameaça do óxi, ganharam um capítulo a mais. Além das técnicas para manejar a fissura e entrevistas motivacionais, os profissionais mostram como funciona a dependência e como evitar a recaída.
– Mostramos os danos ligados a cada uma das substâncias adicionadas à pasta-base da cocaína. O óxi dá muito mais prejuízo do que prazer - diz a psicóloga.

Roteiro de apreensões
– Porto Alegre 1: a única apreensão confirmada de óxi até no Estado aconteceu na Vila Mario Quintana. Foi apreendida em um ponto de venda que seria ligado aos Bala na Cara. Por isso, há suspeita do Denarc de que a nova droga esteja circulando na Zona Norte.
– Porto Alegre 2: entre usuários das praças no Centro, é corrente a informação de que há óxi em bairros da Zona Sul.
– Cachoeirinha: na noite de sexta-feira, com dois jovens que seriam traficantes, a BM do 26º batalhão recolheu 100g de drogas com forte cheiro de combustível. Suspeita de óxi. IGP fará análise.
– Viamão: óxi não foi encontrado pelas autoridades policiais, mas um viciado em crack internado no Hospital São Pedro, teria experimentado a nova droga.
– Sapucaia do Sul: um homem foi preso às margens da ERS-118 com 18g de uma droga semelhante ao óxi. O material está no IGP. E, na terça-feira, a BM apreendeu 4g de um material que seria óxi no Beco da Lansul. O material não passou por testes laboratoriais.
– Interior: uma adolescente de Caxias do Sul foi internada depois de usar óxi, há uma semana. Material semelhante ao óxi também foi apreendido em Passo Fundo.

FONTE: Jornal Diário Gaúcho 28/05/2011

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