domingo, 13 de junho de 2010

MORRER MATANDO

Estaremos vivendo tempos de hipocrisia pessoal e ironia histórica? Ou tudo nasce do nosso farisaísmo-mandão, em que as mentiras da aparência suplantam a realidade e habitam nossa alma?

Em plena Semana do Meio Ambiente, a sapiência tecnológica da maior potência econômico-financeira e militar do planeta mostra-se impotente na solução da maior catástrofe ambiental de todos os tempos: o vazamento num poço submarino de petróleo a 1.700 metros de profundidade no Golfo do México. Em 20 de abril, a explosão duma plataforma da British Petroleum matou 11 pessoas e começou a poluir o mar com, pelo menos, 19 mil barris ao dia, uns 170 milhões de litros de óleo a cada 24 horas. A mancha chegou às costas de Alabama, Flórida, Geórgia e Louisiana, nos Estados Unidos, e o próprio Barack Obama lá esteve duas vezes: “Catastrófico”, exclamou.

O secretário de Justiça, Eric Holder, qualificou o cenário de “trágico e devastador”. Os governantes dos EUA são comedidos nas palavras (ao contrário dos nossos) e, quando chegam a dizer o que disseram, a realidade deve ser brutal e asfixiante. O manto pestilento já duplica o tamanho da Jamaica, país-ilha próximo, e pode expandir-se a todo o Caribe.

A fúria do vazamento levou ao fracasso todos os intentos de tapar o poço. Agora, limitam-se a conter a onda de óleo. Na espessa capa d’água, chegam a queimar petróleo à superfície, num fogaréu infernal que nem Dante imaginou. Os “dispersantes” químicos lançados ao mar já inundam os pântanos e mangues da costa, ameaçando o hábitat de aves e animais quase em extinção, como a tartaruga-oliva e a tartaruga-de-couro. E também a cadeia alimentar que faz possível a vida marinha.

Se a maior potência planetária não dispõe de inteligências e tecnologia para solucionar o vazamento do poço a “apenas” 1.700 metros de profundidade marítima, o que ocorrerá conosco, no Brasil, nessa ânsia de explorar rápido o petróleo do pré-sal, a 6 ou 7 mil metros, além do fundo do mar??

A tragédia do Golfo do México ocorre 24 anos após a de Chernobyl. De lá para cá, a consciência ecológica cresceu e, por isto, a desgraça atual é a maior da História, pois tínhamos conhecimento pleno da possibilidade do desastre. Além disso, a energia nuclear é recente e inventada pelo ser humano como especulação científica. Fez-se incontrolável pelo nosso desvario.

O petróleo é um legado da natureza, da Criação e da evolução vital. Com ele, porém, destruímos a vida poluindo ar e mar. Ou usando a indústria química (oriunda do petróleo) para envenenar a terra, os alimentos, a água que bebemos. A sede pelo lucro fácil (transformamos a natureza em dinheiro no bolso) nos faz cegos face à tragédia possível.

Aqui, usamos o pré-sal demagogicamente, como se fosse ente salvador, sem previsão real dos riscos e da possibilidade de solucionar os danos. E, junto a tudo que já afeta a vida na Terra, ajudamos a construir o suicídio geral. Morremos matando. Ou matamos morrendo.

Flávio Tavares
Jornalista e escritor
Fonte:Zero Hora 06 de junho de 2010 N° 16358

sábado, 12 de junho de 2010

OS LIMITES DA CRIAÇÃO


O anúncio da criação de um organismo vivo a partir de um genoma sintético, publicado na revista Science, tem provocado na comunidade internacional as mais diversas reações. Euforia, preocupação, cautela e perplexidade se alternam. A conquista está sendo considerada uma das
maiores descobertas científicas de todos os tempos. Fato que é indiscutível.
Há um século, não se imaginava criar bactérias programadas para resolver problemas ambientais e energéticos, além da possibilidade de se estender o feito para a fabricação de vacinas. O questionamento que surge na área da bioética são os limites do homem e a sua capacidade de criação.
A tecnologia supera barreiras, mas os dilemas éticos continuam a nos desafiar e descortinam uma série de questões que devem ser confrontadas. Atentar para a devida regulamentação e responsabilidade ética abre caminhos para o entendimento do que está por vir: o primeiro passo rumo à vida artificial. Seres vivos com DNA desenvolvido por humanos. Em todo o mundo, a preocupação é latente: impor limites éticos. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, convocou especialistas em biotecnologia para que analisem as implicações da nova tecnologia. O cientista Craig Venter, que dirigiu a pesquisa, disse que um dia será possível produzir bactérias que gerem combustível, algas que “suguem” o dióxido de carbono da atmosfera, ou organismos que contribuam na produção de vacinas.
Corrigir deficiências na síntese de determinadas substâncias em algumas pessoas seria outra possibilidade de aplicação do genoma sintético. Hoje, isso já é feito alterando-se apenas alguns genes. No entanto, a criação de células inteiras capazes de cumprir esse papel poderia evitar casos de rejeição, comuns nas atuais técnicas. Uma célula-tronco poderia ser diferenciada em uma especializada na produção de fator VIII, substância essencial para pacientes hemofílicos.
A partir dessa descoberta, poderemos entender melhor como os genes interagem entre si no surgimento de uma doença como o câncer. Por outro lado, a ciência terá que atualizar seu entendimento em campos como a interferência do ser humano nos processos biológicos. A seleção natural, segundo Darwin a concebeu, não será mais a mesma. Cabe ao homem saber fazer uso de tal grandeza e repensar as implicações de segurança, já que a técnica abre caminhos para sintetizar armas biológicas.
Neste momento, colhemos os frutos do desenvolvimento desse campo da ciência, e a humanidade deve comemorar com entusiasmo o impacto que isso terá em nossas vidas.


por Nilo Frantz
Especialista em reprodução humana
Fonte: Jornal Zero Hora 02 de junho de 2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

ESPAÇO-TEMPO-VELOCIDADE


Há 24 séculos, Zenão de Eleia demonstrou que, para que uma distância fosse infinita, bastava subdividi-la ao infinito.

Há cerca de um século e meio, o escritor inglês Thomas de Quincey (1785-1859) publicou um artigo, intitulado “The glory of motion” (A glória do movimento), no qual declarava com um insuspeitado prazer que a velocidade havia sido revelada aos homens mediante a invenção das diligências. Hoje, o jamaicano Usain Bolt corre cem metros em 9,69 segundos, os automóveis andam (e matam) a duzentos por hora, os aviões atingem Mach 2, as comunicações, à velocidade da luz, fazem sete voltas em torno da Terra em um segundo e, assim, o mundo e o tempo se tornaram infinitesimais. Com tais parâmetros de espaço-tempo, o paradoxo de Zenão não nos parece tão ilógico. Portanto, as referências que nos ligam à realidade foram, nos últimos 50 anos, totalmente subvertidas (e invertidas até, pois nesses ritmos e conceitos, logo os efeitos antecederão as causas). Nossas novas relações com o tempo, com o espaço e com a velocidade modificaram também nossas relações pessoais, sociais, com a natureza e com a economia, pois não foi senão George Soros que disse serem 10 minutos um longo prazo de uma aplicação financeira.

Os paradoxos, agora, são outros. Embora vivamos cada vez mais anos, temos cada vez menos tempo. E os encontros e os papos com os amigos duram até a abertura do semáforo. Nunca tivemos tantos meios de comunicação ao nosso alcance e nunca tivemos tão poucas coisas para dizer. Os gregos de há 2 mil anos, nos informaram mais sobre o ser humano do que todo o Google tem para nos comunicar. Ítalo Calvino, por exemplo, diz que Antígona, cada vez que é encenada, nos revela novos e surpreendentes aspectos do ser humano.

E, no entanto, os filmes de US$ 100 milhões, embrulhados com efeitos especiais, nada de especial têm a nos dizer ou informar. E são esquecidos com a mesma velocidade e fatuidade de seu sucesso. Em geral, não nos damos conta de que as maiores e melhores representações teatrais e cinematográficas desde Sófocles, Shakespeare até Fellini e Visconti, foram criadas com grandes doses de empenho, engenho e escasso dinheiro.

E que o aforismo latino “ars longa, vita brevis” , com o aumento cada vez mais dilatado do tempo de vida, graças à tecnologia médica do Ocidente financeiramente rico e tecnicamente sofisticado, passará a ser grafado como “ars brevis, vita longa”.

Enfim, ao finalizar este texto, me dou conta de que estas ideias devem ser fruto de um domingo sombrio e de quem tem cada vez menos domingos a viver. Certamente meus filhos e netos pensam e vivem os seus domingos de maneiras mais rápidas, mais luminosas e emocionalmente mais amplas.

Franklin Cunha
Médico
Fonte:Jornal Zero Hora 01 de junho de 2010 N° 16353

terça-feira, 8 de junho de 2010

EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMEÇA EM CASA

No dia 5 de junho comemorou-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. Muitas foram as atividades desenvolvidas em prol desta data, comemorações variadas, festividades coloridas e pedagógicas, educação ambiental nas escolas, palestras, oficinas e vivências. No entanto, pouco há para festejar e muito há para repensar, principalmente quando voltamos o olhar para nosso interior, nossos hábitos, atitudes e compromisso com o ambiente que nos cerca.

Neste período é aconselhável pensar, ponderar, analisar e questionar os posicionamentos que estamos adotando frente às questões ambientais, coisas diárias, que fazem parte do nosso contexto, como separação do lixo doméstico, uso racional da água e de outros recursos naturais, consumo consciente, entre outros. Muitas são as atitudes ambientalmente corretas que podemos adotar na nossa vida, e, consequentemente, passar o exemplo adiante, para aqueles que convivem conosco, filhos, alunos, vizinhos, amigos, colegas de trabalho. Não coloco aqui a necessidade de ser o ecochato ou o ambientalista autoritário, mas sim de assumir naturalmente costumes viáveis e simples no cotidiano.

Os adultos são o ponto de referência para crianças e adolescentes, nosso exemplo é relevante em todos os aspectos: social, ético, moral, ambiental, econômico, cultural, entre outros. Nossa atitude pode fazer a diferença sim, tanto no âmbito positivo quanto negativo, lembrando que as ações erradas que fazemos sempre marcam mais que as certas. Neste contexto, nossa responsabilidade como adultos e cidadãos é imensa, pois somos o exemplo para os que estão a nossa volta.

Faz-se necessário assumir posições positivas frente ao meio ambiente, sem deixar de refletir criticamente sobre nossas ações no cotidiano, porém com hábitos simples, mas conscientes, que farão a diferença no adulto do amanhã. As escolas públicas e privadas fazem a sua parte na educação ambiental, os educadores trabalham este tema nas salas de aula durante o ano inteiro, porém a linguagem ambiental tem que ser semelhante, tanto na escola quanto em casa, pais e educadores devem falar a mesma língua. Muitas instituições de ensino realizam a separação do lixo em seco e orgânico, mas em casa os pais não o fazem. Afinal, qual exemplo a criança vai seguir? Fazer com que as novas gerações desenvolvam um olhar sobre o mundo que inclua o respeito ao meio ambiente e a todas as formas de vida é um caminho que passa necessariamente pela educação ambiental em que as famílias podem e devem contribuir.


Alessandra Quadros/Bióloga, educadora ambiental
Fonte:Jornal Gazeta do Sul 08/06/2010

TRÂNSITO: A TRAGÉDIA REPRISADA

Lamentavelmente, nosso trânsito continua chacinando como uma verdadeira guerra civil. A consequência é muita tristeza, famílias abaladas, sonhos abortados, vidas dilaceradas. Por óbvio, o Código de Trânsito Brasileiro (a lei) não tem o dom milagroso de converter os atuais motoristas em exemplos de prudência, responsabilidade e educação de uma hora para outra. Sem a introspecção, a intenção verdadeira e a atitude positiva para a mudança comportamental, estamos fadados a assistir à carnificina e aos destroços deixados nas vias públicas, como acontece a cada feriado.

Para começar a mudar essa realidade, é necessário romper, de uma vez por todas, com esse cinismo que qualifica a tragédia no trânsito como fatalidade. A inobservância das regras elementares do trânsito não pode ser caracterizada como acidente, pois não é obra do acaso. São eventos que podem ser evitados. Conceitualmente, portanto, não são acidentes, e sim desastres.

A capacidade de matar e ferir no trânsito suscita reflexões sobre as condutas e comportamentos humanos. A onipotência do condutor, a petulância jovial, a ousadia, a sandice e o escárnio de alguns motoristas refletem um vazio existencial, uma tentativa vã de resgatar uma autoestima debilitada. O nosso “herói automobilístico” deixa de perceber que o acelerador não é um mero dispositivo tecnológico, nem a mera extensão das suas emoções, fantasias e frustrações. E, ainda, que no trânsito não temos uma segunda chance, não há como voltar atrás do já acontecido, qual seja, a lesão, o dano, a morte.

A responsabilidade pessoal do condutor é intransferível. E, por isso, o trabalho a fazer é amansar o elemento irascível do motorista que se transforma ao volante e incorpora como extensão corpórea a sua armadura metálica nas vias públicas. A morte no trânsito não se caracteriza como fatalidade, e sim insolência, futilidade e falta de amor à vida.

A construção de um trânsito saudável e seguro exige a participação de todos os protagonistas. As decisões são pessoais, voluntárias, conscientes, intransferíveis e, portanto, individuais. Assim, a mudança dependerá de cada um de nós, e de todos nós. Mas precisamos ser radicais na defesa da vida. Precisamos de uma revolução de comportamentos, a começar pelo afastamento das subjetividades pérfidas, com ações de respeito, cidadania e corresponsabilidade social no trânsito.
Ildo Mario Szinvelski
Diretor técnico do Detran/RS

Fonte:Jornal Zero Hora 08 de junho de 2010 N° 16360