Há 24 séculos, Zenão de Eleia demonstrou que, para que uma distância fosse infinita, bastava subdividi-la ao infinito.
Há cerca de um século e meio, o escritor inglês Thomas de Quincey (1785-1859) publicou um artigo, intitulado “The glory of motion” (A glória do movimento), no qual declarava com um insuspeitado prazer que a velocidade havia sido revelada aos homens mediante a invenção das diligências. Hoje, o jamaicano Usain Bolt corre cem metros em 9,69 segundos, os automóveis andam (e matam) a duzentos por hora, os aviões atingem Mach 2, as comunicações, à velocidade da luz, fazem sete voltas em torno da Terra em um segundo e, assim, o mundo e o tempo se tornaram infinitesimais. Com tais parâmetros de espaço-tempo, o paradoxo de Zenão não nos parece tão ilógico. Portanto, as referências que nos ligam à realidade foram, nos últimos 50 anos, totalmente subvertidas (e invertidas até, pois nesses ritmos e conceitos, logo os efeitos antecederão as causas). Nossas novas relações com o tempo, com o espaço e com a velocidade modificaram também nossas relações pessoais, sociais, com a natureza e com a economia, pois não foi senão George Soros que disse serem 10 minutos um longo prazo de uma aplicação financeira.
Os paradoxos, agora, são outros. Embora vivamos cada vez mais anos, temos cada vez menos tempo. E os encontros e os papos com os amigos duram até a abertura do semáforo. Nunca tivemos tantos meios de comunicação ao nosso alcance e nunca tivemos tão poucas coisas para dizer. Os gregos de há 2 mil anos, nos informaram mais sobre o ser humano do que todo o Google tem para nos comunicar. Ítalo Calvino, por exemplo, diz que Antígona, cada vez que é encenada, nos revela novos e surpreendentes aspectos do ser humano.
E, no entanto, os filmes de US$ 100 milhões, embrulhados com efeitos especiais, nada de especial têm a nos dizer ou informar. E são esquecidos com a mesma velocidade e fatuidade de seu sucesso. Em geral, não nos damos conta de que as maiores e melhores representações teatrais e cinematográficas desde Sófocles, Shakespeare até Fellini e Visconti, foram criadas com grandes doses de empenho, engenho e escasso dinheiro.
E que o aforismo latino “ars longa, vita brevis” , com o aumento cada vez mais dilatado do tempo de vida, graças à tecnologia médica do Ocidente financeiramente rico e tecnicamente sofisticado, passará a ser grafado como “ars brevis, vita longa”.
Enfim, ao finalizar este texto, me dou conta de que estas ideias devem ser fruto de um domingo sombrio e de quem tem cada vez menos domingos a viver. Certamente meus filhos e netos pensam e vivem os seus domingos de maneiras mais rápidas, mais luminosas e emocionalmente mais amplas.
Franklin Cunha
Médico
Fonte:Jornal Zero Hora 01 de junho de 2010 N° 16353
Há cerca de um século e meio, o escritor inglês Thomas de Quincey (1785-1859) publicou um artigo, intitulado “The glory of motion” (A glória do movimento), no qual declarava com um insuspeitado prazer que a velocidade havia sido revelada aos homens mediante a invenção das diligências. Hoje, o jamaicano Usain Bolt corre cem metros em 9,69 segundos, os automóveis andam (e matam) a duzentos por hora, os aviões atingem Mach 2, as comunicações, à velocidade da luz, fazem sete voltas em torno da Terra em um segundo e, assim, o mundo e o tempo se tornaram infinitesimais. Com tais parâmetros de espaço-tempo, o paradoxo de Zenão não nos parece tão ilógico. Portanto, as referências que nos ligam à realidade foram, nos últimos 50 anos, totalmente subvertidas (e invertidas até, pois nesses ritmos e conceitos, logo os efeitos antecederão as causas). Nossas novas relações com o tempo, com o espaço e com a velocidade modificaram também nossas relações pessoais, sociais, com a natureza e com a economia, pois não foi senão George Soros que disse serem 10 minutos um longo prazo de uma aplicação financeira.
Os paradoxos, agora, são outros. Embora vivamos cada vez mais anos, temos cada vez menos tempo. E os encontros e os papos com os amigos duram até a abertura do semáforo. Nunca tivemos tantos meios de comunicação ao nosso alcance e nunca tivemos tão poucas coisas para dizer. Os gregos de há 2 mil anos, nos informaram mais sobre o ser humano do que todo o Google tem para nos comunicar. Ítalo Calvino, por exemplo, diz que Antígona, cada vez que é encenada, nos revela novos e surpreendentes aspectos do ser humano.
E, no entanto, os filmes de US$ 100 milhões, embrulhados com efeitos especiais, nada de especial têm a nos dizer ou informar. E são esquecidos com a mesma velocidade e fatuidade de seu sucesso. Em geral, não nos damos conta de que as maiores e melhores representações teatrais e cinematográficas desde Sófocles, Shakespeare até Fellini e Visconti, foram criadas com grandes doses de empenho, engenho e escasso dinheiro.
E que o aforismo latino “ars longa, vita brevis” , com o aumento cada vez mais dilatado do tempo de vida, graças à tecnologia médica do Ocidente financeiramente rico e tecnicamente sofisticado, passará a ser grafado como “ars brevis, vita longa”.
Enfim, ao finalizar este texto, me dou conta de que estas ideias devem ser fruto de um domingo sombrio e de quem tem cada vez menos domingos a viver. Certamente meus filhos e netos pensam e vivem os seus domingos de maneiras mais rápidas, mais luminosas e emocionalmente mais amplas.
Franklin Cunha
Médico
Fonte:Jornal Zero Hora 01 de junho de 2010 N° 16353
Nenhum comentário:
Postar um comentário