quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Polinizadores em risco de extinção são ameaça à vida do ser humano

Colmeias exterminadas por agrotóxicos são problema mundial. No Brasil, há registros em São Paulo e Minas

LUCIENE DE ASSIS

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está investigando o extermínio de abelhas por intoxicação por agrotóxicos em colmeias de São Paulo e Minas Gerais. Os estudos com inseticidas do tipo neonicotinóides devem estar concluídos no primeiro semestre de 2015. Trata-se de um problema de escala mundial, presente, inclusive, em países do chamado primeiro mundo, e que traz como conseqüência grave ameaça aos seres vivos do planeta, inclusive o homem.

De acordo com o coordenador geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas e Produtos Perigosos do Ibama, Márcio Freitas, o órgão está reavaliando, desde 2010, vários produtos suspeitos de causar colapsos e distúrbios em colmeias paulistas e mineiras. Segundo Freitas, que integra o Comitê de Assessoramento da Iniciativa Brasileira para Conservação e Uso Sustentável dos Polinizadores, a intoxicação prejudica a comunicação entre as abelhas e isto impede que elas retornem às colmeias, levando ao extermínio dos enxames. 

PROIBIÇÃO
Enquanto as análises dos produtos investigados não são concluídas, o órgão proibiu sua aplicação aérea (por avião) e na época da florada para não prejudicar a ação de insetos, aves e morcegos. “Interessa ao Ibama conhecer o comportamento dos polinizadores, entender seu comportamento e estabelecer medidas de mitigação para protegê-los”, explica Freitas.

Estudos em realizados em todos os continentes mostram que abelhas, marimbondos, borboletas, morcegos, formigas, moscas, vespas, além do beija-flor, estão seriamente ameaçados de desaparecer em função do uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos na agricultura. É claro que o balé harmônico de polinizadores como o beija-flor em volta das flores, à procura do néctar, encanta homens e mulheres de todas as idades. Mas a maioria desconhece como eles são essenciais à existência e manutenção da vida no planeta. 

DEPENDÊNCIA
Documentos divulgados em dezembro 2013, durante a reunião da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistêmicos (IPBES), em Antalya, Turquia, mostram que pelo menos três quarto (75%) das culturas do mundo dependem da polinização por abelhas e outros polinizadores para se desenvolver e gerar frutos. O evento contou com a participação de cerca de 400 delegados representantes de mais de 100 países.
Os participantes decidiram, para os próximos cinco anos, desenvolver um programa de trabalho visando preparar um conjunto de avaliações acerca da polinização e sua relação com a produção de alimentos, degradação da terra e espécies invasoras. O objetivo é fornecer aos formuladores de políticas as ferramentas destinadas a enfrentar a pressão decorrente dos desafios ambientais. 

INTOXICAÇÃO
Espera-se que a primeira avaliação esteja disponível em dezembro de 2015, e o foco será a polinização e a produção de alimentos. Pesquisadores vinculados à IPBES acreditam ser necessárias mais informações a fim de se compreender melhor como a polinização sustenta a produção de alimentos, e avaliar a eficácia das políticas atuais. 

Cientistas de todos os continentes concordam que a intoxicação dos polinizadores por agrotóxicos representa uma grave ameaça inclusive à sobrevivência do ser humano, caso nenhuma medida seja adotada. De acordo com a analista ambiental e doutoranda em ecologia e conservação de recursos naturais do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ceres Belchior, esses produtos podem provocar a morte de polinizadores e aves e sugere restringir sua aplicação pelo menos durante a florada.

Como o assunto integra as políticas e ações estruturantes do MMA, o secretário de Biodiversidade e Florestas, Roberto Cavalcanti, enumerou seis eixos temáticos a serem trabalhados sobre vários eixos. Eles incluem as relações entre a polinização e a cultura agrícola; a política para apicultura no Distrito Federal, situado numa região que abriga mais de 500 espécies de abelhas nativas; a elaboração de um projeto de lei voltado ao pagamento por serviços ambientais com polinização; a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas naturais, que, no Cerrado, somam pelo menos 12 mil espécies de plantas lenhosas da preferência das variedades de abelhas; as avaliações da política de mudanças do clima e os impactos na polinização; e uma reavaliação do licenciamento de agrotóxicos e pesticidas. 

IMPORTÂNCIA ECONÔMICA
A mortandade disseminada das abelhas devido ao uso de agrotóxicos foi tema de explanação de Cavalcanti, em audiência pública na Câmara dos Deputados. De acordo com o secretário, 87,5% das espécies de plantas com flores conhecidas no mundo dependem de polinizadores (insetos, aves, mamíferos) para gerarem frutos e sementes sadios. 

Segundo Cavalcanti, os polinizadores são tão importantes que 75% da alimentação humana dependem, direta ou indiretamente, de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização. E esclareceu: “Sem polinizadores, as plantas dependentes não se reproduzem e as populações que delas necessitam declinam e a abelha do mel (Apismellifera) é o polinizador de importância agrícola mais utilizado no mundo”.

Ele se lembrou da importância econômica dos polinizadores, que movem economia mundial. Dados de 2007 mostram que verduras e frutas lideram as categorias de alimento que necessitam de insetos para a polinização, gerando riquezas em torno de R$ 160 bilhões (50 bilhões de euros) para cada uma dessas áreas. Em 2009, o valor econômico anual total da polinização girou na cada dos R$ 489,6 bilhões (cerca de 153 bilhões de euros), o que representou 9,5% do valor da produção agrícola mundial para alimentação humana em 2005.

FRUTAS E VERDURAS
A cada ano, os polinizadores naturais geram uma economia superior a R$ 483 bilhões, no caso das culturas beneficiadas pela polinização por insetos, e a quantia astronômica de R$ 2,435 trilhões quando se trata dos cultivos dependentes da ação dos polinizadores. O alerta, repassado aos parlamentares, é de que o declínio da quantidade de polinizadores pode levar à redução da produção de frutas, verduras e estimulantes (como café) abaixo do necessário para o consumo atual global.
Insetos, aves e animais polinizadores, como o morcego, estão ameaçados por causa da fragmentação dos habitats naturais, do uso indiscriminado de pesticidas, pela falta de práticas agrícolas amigáveis à sua conservação; surgimento de doenças; e mudanças climáticas inesperadas. 

A Iniciativa Internacional para Uso Sustentável dos Polinizadores (IPI, na sigla em inglês), criada no ano 2000 e articulada pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), está empenhada em monitorar o declínio de polinizadores, suas causas e seu impacto; resolver a falta de informações taxonômicas (que define os grupos de organismos biológicos) sobre polinizadores; medir o valor econômico da polinização; e promover a conservação, restauração e uso sustentável da diversidade de polinizadores na agricultura e em ecossistemas relacionados. 

FALTA PESQUISA
Nos Estados Unidos, a desordem e a desorientação das abelhas melíferas provocaram a perda de 90% das colmeias. Na Alemanha, França, Suíça e Península Ibérica, o desaparecimento das abelhas foi relacionado ao uso de inseticidas. O problema chegou ao Brasil e causou preocupação o extermínio de 5 mil colmeias de abelhas africanizadas no estado de São Paulo. A questão, segundo Roberto Cavalcanti, é que existem poucos estudos toxicológicos avaliando os efeitos dos pesticidas sobre outras espécies de abelhas, inclusive internamente.

No campo das políticas ambientais, o MMA está imerso em projetos e ações destinadas a evitar maiores prejuízos aos polinizadores. Nos próximos anos, os esforços também se destinam a apoiar estudos acadêmicos, como os inseridos no Projeto de Conservação e Manejo de Polinizadores para uma Agricultura Sustentável através de uma Abordagem Ecossistêmica, iniciado em 2009 e com previsão de término para 2014, mas foi prorrogado até o final de 2015.

O Projeto recebeu investimentos de R$ 67 milhões, executados pelo Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), tendo esses recursos destinados ao Brasil, Gana, Índia, Quênia, Nepal, Paquistão e África do Sul. O apoio também veio do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), no valor de R$ 20,4 milhões.

MAIS CONHECIMENTO
A iniciativa visa ampliar o conhecimento e oferecer ferramentas acessíveis aos profissionais que trabalham com a polinização; disponibilizar orientações e publicações sobre as limitações desta prática, manejo de serviços relacionados com agroecossistemas (que são a interpretação, avaliação e manejo do sistema agrícola, que permitem conduzir a produção com base nas inter-relações entre os elementos constitutivos desses sistemas, como homem e recursos naturais – solo, água, plantas e organismos e microrganismos – e entre outros sistemas externos, do ponto de vista econômico, social, cultural e ambiental), e valoração socioeconômica da polinização, além de fornecer ferramentas fáceis de serem utilizadas na identificação de polinizadores. 

Uma das vertentes do projeto prevê a capacitação de agricultores para conservar e utilizar os serviços dos polinizadores silvestres, bem como melhorar a capacidade de pesquisa e construir ferramentas para desenvolvimento e manejo dos serviços de polinização. Várias culturas já se beneficiam dos resultados desses esforços, como é o caso da produção de melão, maracujá, melancia, abóbora, caju, castanha do Brasil, maçã, canola, tomate e algodão, entre outras. 

No caso do algodão, a Rede de Pesquisas dos Polinizadores do Algodoeiro no Brasil, realizou um estudo sobre a atuação das abelhas no incremento da produção nas áreas de Cerrado, no sul da região amazônica e na Caatinga. De acordo com a pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Carmem Pires, apesar de o algodoeiro não necessitar de polinização para produzir, ficou demonstrado pela Rede de Pesquisas que as flores desta cultura que recebem a visita de abelhas apresentam um aumento de 12%

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE  28/08/2014

sábado, 16 de agosto de 2014

Chips ajudarão a monitorar atividades das abelhas

Pesquisadores australianos e brasileiros querem saber as causas da redução da população dos insetos























Pesquisadores australianos e brasileiros estão desenvolvendo sensores capazes de medir por quanto tempo as abelhas voaram, polinizaram, comunicaram-se e descansaram. Com essas informações, os cientistas esperam entender o que está acontecendo com a saúde destes insetos. O objetivo é identificar as causas da redução das populações de abelhas, fenômeno que poderá afetar a produção de alimentos no mundo. Os novos microchips, que têm metade do tamanho dos sensores usados em estudo do Instituto Tecnológico Vale no Brasil e do CSIRO, centro de pesquisa australiano, serão capazes de gerar energia a partir da movimentação do inseto. Os primeiros protótipos estão sendo produzidos em laboratórios de nanotecnologia em Melbourne, na Austrália. Os testes deverão se iniciar em 2015, no país e no Pará. 

Os pesquisadores já realizam estudo com abelhas na Amazônia usando 12 mil sensores produzidos no Japão. Cada unidade tem 2,5 milímetros de diâmetro e 5 miligramas de peso. Durante seis meses, o comportamento 800 abelhas africanas será monitorado por um microssensor instalado no tórax dos insetos. “A abelha pesa 105 miligramas, em média. É como se passasse a carregar uma mochila nas costas. Observamos que o chip reduz em um terço a capacidade dos insetos de transportar néctar e pólen, mas não os impede de trabalhar normalmente”, explica o físico Paulo de Souza, coordenador da pesquisa. Neste caso, a intenção é observar em que medida mudanças no clima, como a alteração do regime de chuvas, afeta o comportamento dos insetos. 

Entre as hipóteses para a mortandade de abelhas está o uso excessivo de pesticidas nas lavouras; a infestação por praga a varroa, ácaro que se alimenta do sangue das abelhas; e a disseminação da monocultura. O fato é considerado preocupante, já que põe em risco o atual modelo de produção agrícola. Cerca de 75% das culturas dependem da polinização, sendo as abelhas as principais polinizadoras. Desse total, elas são responsáveis por 73% das espécies agrícolas cultivadas no mundo, estima o agrônomo Aroni Sattler, professor de Apicultura da Ufrgs. 

Segundo ele, embora o cultivo de grãos, legumes e frutas não sejam tão dependentes, são favorecidos pela presença de polinizadores durante o florescimento. “A situação do Brasil é melhor quando comparada ao resto do mundo, pela intensa presença de abelhas africanizadas em abrigos naturais, somadas aos apiários de produção de mel”, avalia Sattler, que integra o Comitê Científico de Sanidade Apícola do Ministério da Agricultura.

Produção de mel pode expandir-se no Estado

Embora o número de colmeias e a produção de mel mantenham-se estáveis nos últimos dez anos, o Rio Grande do Sul é o maior produtor do país, com potencial para expansão da atividade. Mais de 50 mil famílias têm a apicultura como atividade produtiva. Somados, esses produtores têm 650 mil colmeias e produzem de 8 a 10 mil toneladas de mel por ano. Em 2013, pela primeira vez, o mel gaúcho foi exportado ao Canadá e aos Estados Unidos, países onde a produção está diminuindo, possivelmente devido à redução da população de abelhas. A China, líder mundial na produção de mel, também registra queda. O país não está conseguindo atender à demanda das exportações, já que com a melhora do poder aquisitivo o consumo do mercado interno aumentou.

Com a redução da produção nestes três países, o apicultor vislumbra oportunidades de negócio. O produto gaúcho, que duas safras atrás era destinado praticamente só ao mercado interno, conquista novas fronteiras. Segundo estimativa da Emater, o volume embarcado em 2013 corresponde a 40% do total produzido. “Antes, virava o inverno e tinha estoque em casa, pois não comercializava tudo. Agora, quando chega o frio, o apicultor já não tem mais mel”, analisa o agrônomo Paulo Conrad, da Emater de Lajeado, referindo-se à estação do ano em que o consumo interno aumenta. Mas para investir na atividade e ampliar a produção, “o produtor precisa ter segurança de que o mercado vai se manter”. 

Apesar das incertezas, o cenário já se refletiu na valorização. Com os embarques, diminuiu a oferta no mercado interno, e os valores subiram de R$ 6 a R$ 10 o quilo, em 2013, para R$ 8 a R$ 14 o quilo em 2014. Os produtores brasileiros usam somente 15% da capacidade de produção no que se refere à diversidade de plantas com pólen disponíveis nos campos. O Brasil produz 40 mil toneladas/ano.
Fonte: Bruna Karpinski / Correio do Povo 16/08/2014