quinta-feira, 26 de maio de 2011

O LIVRO DO MEC ENSINA A FALAR ERRADO? NÃO!

Nos últimos dias, o livro Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender - adotado pelo Ministério da Educação (MEC) e distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático de Jovens e Adultos (PNLD-EJA) -, tem gerado polêmica na mídia brasileira. O alvo de críticas é um trecho do capítulo “Escrever é diferente de falar” que afirma: “Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico (...) Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas”.
Diante das interpretações equivocadas que muitos fizeram a respeito de Por uma Vida Melhor, muitas vezes descontextualizadas de passagens e de afirmações da obra, defendo que o capítulo “Escrever é diferente de falar” cumpre o papel da escola: ensinar a norma culta, tarefa que implica promover uma reflexão sobre a diferença entre a fala e a escrita. Os exemplos apresentados pela autora, como “Nós pega o peixe”, são usados para refletir sobre variedades que o aluno já conhece e sobre diferentes contextos que são usados para, com base nessa reflexão, ensinar outras variedades, preferidas em outros contextos.
O livro mostra que não há um único jeito de falar e escrever; existem variações linguísticas regionais e sociais; não existe certo e errado, e sim, mais ou menos adequado a diferentes situações de comunicação. Mostra também que a língua é um instrumento de poder, e a norma culta é a variedade prestigiada. Entendendo que o objetivo da escola é inserir o aluno no mundo da escrita e do uso da norma culta, por meio da leitura e da compreensão de textos. Não há dúvida de que o livro permite alcançar essa meta: é um instrumento para a reflexão e ensino da variedade culta. O referido capítulo mostra que todos nós sabemos falar português e que precisamos aprender a variedade culta para que essa também possa ser uma das nossas escolhas linguísticas.
Nesse sentido, para continuar enfrentando os desafios de responder às demandas de educação de qualidade para todos, faz sentido que a escola crie oportunidades para compreender todas as formas de exclusão (inclusive a linguística) e ofereça a possibilidade de aprendizagem de repertórios valorizados na sociedade para que o aluno possa ter mais escolhas (inclusive a língua culta). Significa que é dever da escola proporcionar aos alunos o acesso às práticas de leitura e escrita exigidas para o efetivo exercício da cidadania. Isso não significa que a escola deve aceitar “de tudo”, “qualquer jeito” de escrever. O que a escola precisa fazer, se quiser que os alunos “cheguem perto” de dominar a norma culta, é ler e analisar textos escritos nos diversos estilos, chamar a atenção para as diferentes variedades linguísticas. Isso pode, sim, ser feito por meio de exemplos como o do livro Por uma Vida Melhor.

Obs.: Texto inspirado no Manifesto do Círculo Educação Linguística
Maristela Juchum

Mestre em letras e doutoranda em Linguística Aplicada
Fonte:Jornal Gazeta do Sul 25/05/2011

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