quinta-feira, 19 de maio de 2011

ENSINAR A LER É ÓTIMO; A INTERPRETAR É ESSENCIAL

Ninguém sabe ler de antemão, e isto não se refere apenas à decifração de códigos, letras e frases, mas, sim, ao desenvolvimento de capacidades leitoras diversas, como, por exemplo, a de inferir sentidos. Frequentemente, a relevância da leitura para a vida em sociedade é debatida.

São várias as preocupações de pais e educadores no que se refere às exigências sociais associadas a ela, seja em função de atividades profissionais que exigem comunicação verbal eficiente e boa redação, seja em função de necessidades mais gerais, relativas à inserção social, o que demanda saber ler diferentes tipos de texto ou mesmo saber utilizar o nível de linguagem adequado a diferentes situações. Ainda que existam, hoje, muitas mídias que viabilizam o acesso rápido e irrestrito a informações úteis para a vida cotidiana, o texto escrito é ainda o meio fundamental de obtenção do conhecimento. Isto porque ele oferece ao leitor possibilidades de interpretação e, portanto, maior autonomia.
Quando lemos, também construímos os sentidos, pensamos autonomamente, elaboramos nossas indagações. O leitor é aquele que reescreve o significado do texto a partir de sua interação com as intenções de quem escreveu. Se a importância da leitura é consensual, a constatação de que nossos filhos leem mal desperta grande inquietação, além do desejo de ajudá-los no processo de aquisição da capacidade de ler com eficiência e inteligência.
O primeiro passo para ensinar a ler textos de maior complexidade é justamente o de compreender o quão complexo pode ser para as crianças e os jovens um texto que, para nós, adultos, é relativamente fácil ou óbvio. Nesse processo, não existem obviedades. O que é claro e evidente para mim nem sempre o é para uma criança. Ela detém um repertório mais restrito, tanto de palavras, quanto de experiências. O que nos induz ao próximo passo: ensinar a ler exige a intervenção ou a mediação ativa de quem propõe a leitura, sejam pais ou professores. E tomando o cuidado de não ler para a criança, substituindo sua experiência de leitura. Assim, estaremos ensinando que ler é mais do que decifrar letras: ler é pensar sobre o que se lê. E isso fará toda a diferença no futuro. Outro elemento importante para permitir o aprendizado dessa atividade é possibilitar o acesso da criança à maior variedade possível de textos, em diversas situações sociais de leitura.
Ler é algo que se desenvolve por meio da imersão em sua prática, não atividade exercida de modo descontextualizado da vida em sociedade. De acordo com essa visão, o adulto precisa mostrar para a criança como os textos que circulam na sociedade podem ser usados a fim de que ela compreenda os seus sentidos. Charges ou tirinhas de jornal, por exemplo, muitas vezes, não são compreendidas pelos mais novos. “O que tem de engraçado aqui?”, perguntam-se.
Isto ocorre quando o efeito de humor passa por um dado cultural desconhecido pelo jovem leitor. Esse dado pode ser apenas uma palavra de duplo sentido ou até mesmo um pressuposto que exige o reconhecimento de fatos políticos ou históricos. Propagandas estabelecem relações de sentido que podem ser inferidas de acordo com a intenção daqueles que as produziram e com o público a que se destinam os produtos. Uma notícia pode ser escrita com diferentes intencionalidades, visando a finalidades que não são apenas as de informar.
Da mesma maneira, um artigo de opinião pode refletir tendências ideológicas de quem o publica. Compreender essas relações não é fácil, nem pode ser dado como pré-requisito. Como já se afirmou aqui, ninguém sabe tudo de antemão; ou seja, a criança precisa ser ensinada a ler com profundidade.

A atitude do adulto diante da leitura deve ser positiva, se ele quiser influenciar o jovem a ler mais e melhor. Essa postura inclui necessariamente um envolvimento afetivo com o que lê. O adulto é quem oferece um modelo de leitura para o aluno-leitor, servindo-lhe de exemplo e espelho. Caso a criança não reconheça a importância da leitura nas atitudes do adulto, seu modelo, qualquer estratégia será em vão. Continuamos ensinando melhor por nossas obras do que por nossos discursos.

José Ruy Lozano

Professor do Ético Sistema de Ensino (www.sejaetico.com.br) da Editora Saraiva
Fonte:Jornal Agora 15/05/2011

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