Vítima constante de apelidos humilhantes e gozações inadequadas durante toda a infância e adolescência, um jovem aluno, de 18 anos, entra na escola onde estudava e, com um revólver calibre 38, faz vários disparos, ferindo oito pessoas, e se suicida em seguida. Esse triste fato aconteceu em 2004, na cidade de Taiuva, no interior de São Paulo.
Passados sete anos, em abril de 2011, um jovem ex-aluno entra na escola onde cursou parte do Ensino Fundamental e, com dois revólveres, calibres 32 e 38, faz muitos disparos, ferindo e matando vários alunos para se suicidar em seguida, após a intervenção de um policial militar.
Esses trágicos acontecimentos, felizmente, não são comuns na realidade brasileira, porém, sua natureza nos leva à perplexidade e à angústia. Assim, interrogamo-nos: por que esses jovens escolheram suicidar-se em um cenário em que outros, sem culpa por sua decisão, precisam morrer com eles? Por que voltar à escola e provocar a morte de inocentes? Certamente, as respostas não são evidentes nem singulares; todavia, há uma possibilidade para tão bárbara determinação: trata-se de pessoas gravemente perturbadas mentalmente, portadoras de males que lhes tiram a percepção da realidade.
Diante da violência praticada nos episódios de 2004 e 2011 há, entre outras, uma questão que merece reflexão: os dois jovens eram introspectivos, de pouco ou nenhum relacionamento. E, segundo relatos da mídia, sofreram bullying durante a vida escolar. As pessoas vitimizadas por bullying não alcançam a solidariedade imediata das escolas. Há poucos dias, uma cena gravada ganhou contornos midiáticos por conta do efeito YouTube: um rapaz australiano obeso, farto de ser vítima de bullying na escola, resolveu reagir e agredir com violência quem o insultava. O vídeo se tornou sucesso na internet e só então foi notado e discutido pelos educadores da escola.
Quando se trata de um jovem adolescente, a negação dos pares causa muito sofrimento, uma vez que, para construir sua autonomia, são necessários o “rompimento simbólico” das referências familiares, principalmente em relação aos pais, e a aquisição de outras referências que são exclusivas de seu grupo. Nessa direção, não ser aceito ou sofrer humilhação dos elementos do grupo pode significar a impossibilidade de se tornar autônomo, crescer, fazer escolhas e tomar decisões independentes. Em outras palavras, se ele não existe para seu grupo, não existe para ninguém, inclusive para si mesmo.
O grupo, por sua vez, escolhe alguns membros e os elege como “vítimas sacrificiais”, são os “bodes expiatórios”, nos quais o grupo projeta as limitações e imperfeições dos demais elementos. Isso para que o grupo sobreviva.
As pessoas todas, sem exceção, vivem conflitos grupais, e o único meio de se livrarem desses conflitos é escolher um bode expiatório e depositar nele suas frustrações. Se tal procedimento é vital ao grupo, torna-se mortal para quem o sofre.
Não estou aqui para fazer a defesa dos jovens que cometeram os bárbaros disparos nas duas escolas, mesmo porque não conseguimos vislumbrar qualquer justificativa possível. Todavia, não podemos esquecer que os dois jovens violentos foram alunos daquelas escolas. Talvez pelo fato de serem “silenciosos”, não foram motivo de discussão ou atenção nas reuniões de conselho de classe, uma vez que ficavam quietos em seus cantos, sem incomodar o transcurso das aulas. Ou talvez, por serem distanciados de si mesmos e dos outros, não foram alvo de uma relação pessoal e mais presente de algum educador.
É simplificar demais, mas, sendo professora, faço-me uma pergunta: será que tais barbáries tiveram, para eles, o objetivo de manifestar uma dor insuportável? Queriam ser reconhecidos como colegas abarbarados e temidos? Queriam ser notados? Gostariam de ser chamados pelo nome e não pelo número? Desejariam ter um olhar educador que os reconhecesse como de fato eram e não como o grupo os definia? Termino sem respostas, citando Bertolt Brecht: “A árvore que não dá fruto/É xingada de estéril./Quem examinou o solo?/O galho que quebra/É xingado de podre, mas não haveria neve sobre ele? Do rio que tudo arrasta/se diz que é violento/Ninguém diz violentas/as margens que o cerceiam”.
Francisca Romana Giacometti Paris, pedagoga e mestre em Educação
Fonte Jornal O Informativo Vale do Taquari,Lajeado 14/04/2011
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