Gosto de escrever sobre coisas das quais sou testemunha. Foi em um desses meus plantões como delegado de Polícia. Tratava-se de uma prisão em flagrante de furto, na qual uma jovem fora presa e apresentada para a lavratura de seu auto de prisão. Ela era viciada em crack, já havia sido internada três vezes e acabara de cometer um furto, justamente para sustentar seu vício.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer ao leitor que o crack não produz apenas mortes no sentido literal da palavra. O consumo de substâncias estupefacientes também provoca mortes virtuais, ou seja, mortes de médicos, advogados, atletas, trabalhadores simples, pais e mães de família, os quais, virtualmente, morrem, porquanto, antes de se tornarem tais, principalmente ainda na adolescência, engolidos foram pelo vício.
Aquela menina, que se diga de passagem, estava de aniversário e completava seus 21 anos exatamente naquela data em que fora presa, tinha seus olhos de uma tonalidade azul que certamente deve ser almejada pelas mais prestigiadas modelos da nossa atualidade, estando eles, naquele exato momento, fixos e quietos no ar, vagos e indiferentes para com o meio ambiente que os circundava. Naquele mesmo ritmo, eram as suas palavras proferidas com dificuldade e com muito esforço, refletindo os obstáculos provocados no seu cérebro pelo reiterado consumo da droga. Antes de criminosa, era ela, sem dúvida, uma vítima. O crack, essa substância sólida e cristalina que se dissemina pelas nossas ruas, se fumado, como de costume ocorre, intensifica-se a ação do seu princípio ativo, que é a cocaína, bem como dos seus efeitos danosos à saúde, aumentando-se, ainda mais, a ânsia do viciado por drogar-se reiteradas vezes.
Enquanto o auto de prisão em flagrante era lavrado, refletia sobre o caso e concluí que aquela menina, tão jovem, poderia, no futuro, perfeitamente, haver-se tornado uma modelo, como é o sonho de tantas meninas, ou talvez uma médica, uma professora, uma mãe de família ou, simplesmente, uma mulher feliz. Porém, o crack exterminou-lhe todas essas hipóteses. A sua mãe, triste e desconsolada, com seus olhos deprimidos, mas ainda cheios de amor, acompanhava-a na delegacia. Poderia a referida mãe aguardar um milagre, onde sua filha deixaria o vício e conquistaria para o seu futuro um dos sonhos acima descritos? Prefiro deixar essa resposta para cada um dos leitores, aproveitando este ensejo para lembrar-lhes acerca de um pensamento que é muito utilizado na área de saúde e que se encaixa como uma luva à mão neste texto, qual seja: "Mais vale 1 grama de prevenção do que 1 quilo de cura".
Roger Sprode Brutti delegado de polícia civil
Jornal Correio do Povo 20/02/2012
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