sábado, 4 de junho de 2011

SOMOS A ÚLTIMA GERAÇÃO DE PROFESSORES?

O discurso da professora potiguar Amanda Gurgel no dia 10 de maio, na Assembleia Legislativa do RN, que ultrapassou um milhão e setecentas mil visualizações no canal YouTube e entrou na lista dos trending topics do Twitter, não é novidade.


Ela apenas foi corajosa ao expor os descasos e dramas vividos diariamente pelos profissionais da educação e denunciar a desvalorização histórica e sistemática dos mestres, que inclusive afasta aspirantes à profissão. Os educadores são submetidos a jornadas de trabalho exaustivas, muitas vezes cumpridas em mais de uma escola. São mal remunerados, expostos a agressões físicas e psicológicas e não têm tempo nem recursos para se qualificarem e, como se não bastasse, ainda são responsabilizados pelos problemas e precariedade do sistema público brasileiro de educação básica.

O pessoal da “turma de fora da sala de aula” associa qualidade de educação com professor em sala de aula. Quando há greve do magistério, a administração pública e seus aliados tentam convencer a população de que os professores são os responsáveis. O professor não é causa nem a solução da deficiência generalizada na educação pública brasileira, cujo sistema educacional entrou num ciclo vicioso difícil de ser rompido. Os órgãos públicos pagam salários vexatórios e, consequentemente, professores malpagos trabalham desmotivados, não conseguem desenvolver um trabalho de qualidade, utilizam pretextos para compensar o desapreço, tornam-se reféns de sindicatos e de interesses políticos e acabam como personagem antagonista de um processo no qual os estudantes são as maiores vítimas. O professor é “depositado” nas escolas e, com um quadro-negro e giz, tem a função de “salvar” o País. Piada, não?

No programa do Faustão (22/05), Amanda explicou a causa de tamanha deficiência na educação brasileira: “Na verdade a culpa é desse sistema que está estabelecido desde o Império”. O sistema educacional é o mesmo desde quando foi idealizado para atender ao modo de vida do século XVIII. O modo de vida mudou, mudou... e o sistema obsoleto foi mantido. Uma célebre frase da década de 90, proferida por um ministro da educação, vergonhosamente parece atual: “O aluno finge que estuda, o professor finge que ensina e nós fingimos que pagamos”... O descaso com a Educação acontece desde quando Cabral pintou por aqui; o poder público brasileiro nunca se preocupou em discutir uma mudança efetiva do sistema público de educação. Em nenhum governo a educação foi prioridade, assim como não foi prioridade mudar de sistema público de Educação Básica. Mudança de sistema é diferente de mudança no sistema. Já tivemos várias mudanças no sistema: o nome do primário mudou para ensino fundamental; as disciplinas obrigatórias, os métodos didáticos e os recursos tecnológicos mudaram diversas vezes; o nível de apoio material muda a cada programa que se implementa para subsidiar a falta de condições financeiras do País; enfim, mudam nomenclaturas e, na prática, nada muda, ou muito pouco. É preciso mudar de sistema, isto é, mudar a lógica arcaica de funcionamento do modelo de gestão da educação pública.

O País está passando por um grave problema: o défict de profissionais nas escolas. É um verdadeiro “apagão” de professores e as perspectivas não são nada animadoras: o número de formandos em cursos de licenciatura vem caindo ano a ano. O MEC busca formas de atrair futuros professores com chamadas televisivas a fim de “motivar” os jovens para a profissão. A intenção parece ser boa, porém, uma vitrine utópica. Soa como ironia, eu penso: Seja um professor e seja o que Deus quiser! Não questiono o valor do professor, uma das profissões mais importantes, além de indispensável: é um dos poucos profissionais pelas mãos dos quais todos, pelo menos uma vez na vida, passam. Uma propaganda “bonitinha” não atrairá pretendentes à profissão e tampouco disfarçará os inúmeros problemas que tornam a docência cada vez menos interessante.

Os poucos atrativos acabam diluídos diante da desvalorização do magistério, infraestrutura precária, assédio moral e ausência de plano de carreira, sem contar nas dificuldades com material didático e tecnologias e trabalho extra para casa. Dizem que temos de trabalhar por “amor à camisa” ou “vestir a camiseta”. Tudo bem, mas é bom lembrar que o “amor à camisa” não paga contas, cursos de atualização, consultas e terapias decorrentes do excesso de descaso… Fica para refletir: algum político trabalharia “por amor à camisa” com um salário de três dígitos? Quem sabe, com menos holofotes, menos maquiagem e mais planejamento sério e execução, os professores não tenham um destino mais auspicioso…
Raquel Eloísa Eisenkraemer/Prof. doutoranda da rede mun. de ensino
Fonte:Jornal Gazeta do sul 03/06/2011

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