Brasil é Bicampeão Mundial no uso de Agrotóxicos. Tanto em 2008 quanto em 2009, o Brasil foi o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
Na safra de 2008/2009, foram vendidos 7,125 bilhões de dólares em agrotóxicos. O uso dos agrotóxicos no Brasil é tão intenso que, fazendo uma distribuição da quantidade de veneno (920 milhões de toneladas) utilizado no ano de 2009 por habitante (192 milhões), chega-se à conclusão de que cada brasileiro consumiu uma média de 4,7 kg de agrotóxicos. Em 2010, mais de um milhão de toneladas (o equivalente a mais de 1 bilhão de litros) de venenos foram jogados nas lavouras, ou seja, cada brasileiro teria consumido estarrecedores 5,2kg/ano, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (SINDAG, 2010). Vejamos abaixo como o Brasil chegou a esse título nada lisonjeador.
2- Revolução Verde – A gênese do atual modelo predatório agrícola brasileiro
A ideia de uma produção capitalista em larga escala no campo surge no contexto da Revolução Verde, que teve origem após as grandes guerras mundiais, quando a indústria química fabricante de venenos então usados como armas químicas encontrou na agricultura um novo mercado para os seus produtos (LONDRES, 2011). A partir da década de 1950, tornou-se o paradigma dos países desenvolvidos e modelo de desenvolvimento a ser seguido pelos países periféricos como o Brasil.
A Revolução Verde foi um processo de mudança da política agrícola e tecnológica implementada a partir da Segunda Guerra Mundial. Com um falso discurso de modernização do campo, esse processo incentivou e impôs a prática de monocultivos, uso de sementes híbridas e geneticamente modificadas (os transgênicos[i]), uso de mecanização pesada no campo e uso de pacotes agroquímicos.
O final da década de 1970 e início da década de 1980 foi o auge do processo de subordinação da agricultura à indústria e com crédito fácil para expandir a industrialização da lavoura que, por sua vez, possibilitou uma maior implementação de máquinas e outros insumos químicos na agricultura. Este processo segue se desenvolvendo na agricultura brasileira, recebendo cada vez mais influência externa (econômica e ideológica) até chegar a ser o que denominamos hoje de agronegócio.
Goodman, Sorj e Wilkinson (1990) nos auxiliam a compreender o processo de adaptação da agricultura aos ditames do modo de produção capitalista, por se transformar num ramo cada vez mais articulado a tais práticas. No entanto, esses autores sinalizam que essa adaptação da agricultura à produção capitalista encontrou barreiras ao se defrontar com condições naturais de reprodução da natureza.
Com o intuito de explicar como este processo se desenvolveu, os autores indicam como os elementos naturais foram sendo, pouco a pouco, eliminados da produção agrícola e implementados pela atividade industrial. Para analisar as dimensões destas mudanças, os autores lançam mão de dois conceitos que se complementam no sentido de identificar o caminho seguido pela industrialização da agricultura: apropriacionismo e substitucionismo.
Assim, diferentes aspectos da produção agrícola foram transformados em setores específicos da atividade industrial. A este processo descontínuo, porém persistente, de eliminação de elementos discretos da produção agrícola, sua transformação em atividades agrícolas e sua reincorporação na agricultura sob a forma de insumos designamos apropriacionismo. Os produtos da agricultura igualmente apresentaram problemas singulares para a produção industrial. O destino deles como alimento impedia sua simples substituição por produtos industriais. Entretanto, o surgimento da indústria alimentícia, argumentamos, representa um processo igualmente descontínuo, mas permanente, de alcançar a produção industrial de alimentos, que denominamos de substitucionismo. Neste processo, a atividade industrial não apenas representa uma proporção crescente de valor agregado, mas o produto agrícola, depois de ser primeiramente reduzido a um insumo industrial, sofre cada vez mais a substituição por componentes não agrícolas. (GOODMAN, SORJ e WILKINSON, 1990, p.1-2)
Neste sentido, os conceitos de apropriacionismo e substitucionismo nos ajudam a compreender como se deu a integração do setor agrícola à lógica industrial, seja procurando diminuir a dependência desse setor aos fatores naturais, seja transformando os produtos agrícolas em meros insumos industriais e, assim, comprometendo a existência do setor agrícola e de sua principal característica que se encontra no ritmo de produção da natureza e não da indústria.
Para a que as transformações propostas pela Revolução Verde fossem rapidamente incorporadas, foi fundamental a atuação do Estado enquanto agente promotor e financiador do “pacote tecnológico” e, consequentemente, da subordinação da agricultura aos interesses urbano-industriais. Isto culminou na formação dos chamados complexos agroindustriais (e suas implicações para agropecuária ao estabelecer uma nova relação entre os setores da agricultura e indústria), sendo estes um verdadeiro reflexo das transformações citadas e desenhando estes os traços que marcaram a chamada “modernização conservadora” da agricultura brasileira.
De forma genérica, pode-se apontar, num sentido amplo, que o agronegócio ou agribusiness se refere a um tipo de produção agrícola em grande escala e em grandes propriedades. Porém, diante das intrínsecas relações com o comércio e a indústria, hoje compreende também toda cadeia de produção agropecuária, a comercialização desta produção e de todos os elementos necessários à sua viabilização, bem como a produção de insumos, maquinários, tecnologias (biotecnologia, transgênicos) e a industrialização da produção e sua distribuição.
No atual período de globalização neoliberal, o agronegócio cada vez mais vem sendo controlado por empresas e não pelos produtores. No caso do Brasil, há grandes corporações transnacionais como a Cargil, Bunge, Monsanto, Bayer, e outras, que determinam o preço das sementes, dos fertilizantes, dos defensivos agrícolas, dos maquinários, e também interferem na cotação final do produto quando de sua comercialização, que em grande parte é destinada para o mercado externo. Em 2007, 58,5% de toda produção de frango, 52% do etanol, 41% do açúcar e 36,3% da soja do Brasil foi exportada (ANUÁRIO EXAME, 2008).
A força do poder do agronegócio não se encontra apenas na economia. Através da análise das práticas institucionais de parlamentares brasileiros, pode-se constatar uma rede que tem como grande objetivo defender os mais diversos interesses do(s) (empresários do) agronegócio, em especial, a propriedade privada da terra. Essa rede do agronegócio formada por parlamentares é conhecida como a bancada ruralista (BRUNO, 1991; COSTA, 2008 e VIGNA, 2007). É possível afirmar que o poder e a força patronal no campo brasileiro são construídos pelo intenso e incessante movimento articulado de distintas escalas (em rede) de pressão e influência, encontrando na bancada ruralista sua expressão máxima de defesa e proteção das elites do agro no Brasil, reconhecendo sua forma de organização superior a qualquer critério político e democrático.
Segundo Porto-Gonçalves, (2008) o bloco de poder do chamado agronegócio é atualmente técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático e parlamentar, garantia institucional que mantém e reproduz as atuais e assimétricas relações sociais e de poder inseridas no mundo rural brasileiro e que conserva a perversa estrutura fundiária brasileira. Sendo assim, o agronegócio é o resultado de uma aliança entre empresas transnacionais, o capital financeiro e grandes proprietários de terras, nacionais e estrangeiros.
Os agrotóxicos são uma das bases (de produção e comercialização) do agronegócio, pois grande parte das empresas que atuam no ramo da produção de sementes também atua no campo da produção e comercialização de agrotóxicos. Nos últimos anos, estas empresas passaram por processos fusões e aquisições que as levaram ao controle oligopolizado da agricultura brasileira.
3- O financiamento público para o agronegócio e o uso dos agrotóxicos
O Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário é a soma de todas as mercadorias agrícolas vendidas. Os dados disponíveis pelo IBGE apontam que o PIB agropecuário de 2009 esteja em torno de R$ 163 bilhões, cerca de 15% do PIB total do Brasil.
Desse montante, cerca de R$ 120 bilhões sejam do agronegócio. Para entender o que significam esses R$ 163 bilhões, é necessário conhecer o modelo que sustenta esse tipo de produção. Mais da metade do valor gerado – cerca de R$ 90 bilhões – é o volume de crédito oficial destinado aos “empresários” do agronegócio, ou seja, seis vezes mais do que a verba do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), destinada aos agricultores familiares para a safra 2009/2010, que foi de R$ 15 Bilhões[ii].
Para seguir o modelo da “moderna agricultura”, grande parte dos R$ 90 bilhões de crédito vai para o pacote máquinas-fertilizantes-agrotóxicos. E quem se beneficia com esse crédito? As grandes empresas transnacionais, que juntas somam lucros acima do total do PIB agrícola. Vejamos abaixo as principais produtoras de agrotóxicos no Brasil.
As principais empresas produtores de agrotóxicos no Brasil. Fonte: www.mst.org.br
Segundo o anuário do agronegócio referente a 2010, os ativos das 50 maiores empresas do setor de insumos químicos ficaram em R$ 189 bilhões. As dez maiores controlam 51% do já oligopolizado mercado. Deste valor, parte considerável vai para o mercado de agrotóxicos. As vendas mundiais de venenos chegaram a US$ 48 bilhões. No Brasil, o mercado tem crescido vertiginosamente, como podemos constatar pelo gráfico abaixo.
Gráfico 1: Taxas de crescimento das vendas de agrotóxicos no Brasil e no mundo, com base no ano 2000.
Fonte: ANVISA, 2010
Para o período de 2000 a 2009, são apresentadas no gráfico 1 as taxas de crescimento das vendas de agrotóxicos no Brasil e no mundo, com base no ano 2000. Pode-se verificar que o crescimento das vendas no Brasil foi maior que no mundo, assumindo valores superiores a 100% a partir de 2007. Em 2008, o Brasil assumiu a posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, posição antes ocupada pelos Estados Unidos. Para atingir tal patamar, as empresas produtoras de agrotóxicos, além das isenções federais, possuem isenções complementares determinadas por alguns estados como o Ceará, que isenta em 100% de ICMS, IPI, COFINS e PIS/PASEP as atividades que envolvem o agrotóxico.
Larissa Mies Bombardi, professora do Departamento de Geografia USP, aponta que:
Somando as receitas das principais empresas estrangeiras produtoras de agrotóxicos no Brasil, segundo o balanço de 2009, temos um total de R$ 14 bilhões. Este dado é muito significativo, já que revela que, do PIB agrícola como um todo, o setor de agrotóxicos abocanhou, sozinho, cerca de 10%, isso lembrando que não estão computados os dados da Monsanto. Isto significa que estamos, literalmente, comendo veneno, monopolizado pelo capital estrangeiro. (MST, 06/12/2010)
Com isso, é fácil constatar que, com fortalecimento do agronegócio no Brasil, haverá aumento do cultivo de monoculturas, que acarretará em maior uso de maquinário e veneno na agricultura (Gráfico 2), ocasionando um verdadeiro desequilíbrio socioambiental.
Gráfico 2 – Previsão de entrega (venda) de fertilizantes no Brasil
Fonte: ANDA, 2008.
De acordo com o geógrafo Paulo Alentejano (DGEO/FFP-UERJ e EPSJV/Fiocruz), o controle das grandes corporações sobre a agricultura no Brasil gera concentração de renda e empobrecimento dos agricultores. Neste sentido, acreditamos que o atual cenário do espaço agrário brasileiro indica que está em curso um intenso processo de monopolização da agricultura pelo capital estrangeiro (BOMBARDI, 2011).
4- Uso de agrotóxico e o aumento de doenças
A agricultura é praticada pela humanidade há mais de dez mil anos. Desde a sua gênese o homem se preocupou em produzir e consumir alimentos nutritivos e de boa qualidade. No entanto, com o forte processo de industrialização/ urbanização que foi se delineando no mundo ao longo do tempo, o sistema capitalista procurou padronizar os hábitos alimentares, fazendo com que a alimentação humana tenha se tornado mórbida, com poucos nutrientes e sobretudo envenenada, trazendo sérias consequências para a saúde humana.
Segundo relatam Peres e Moreira (2007, p.05):
A larga utilização de agrotóxicos no processo de produção agropecuária, entre outras aplicações, tem trazido uma série de transtornos e modificações para o ambiente, seja através da contaminação das comunidades de seres vivos que o compõem, seja através da sua acumulação nos segmentos bióticos e abióticos dos ecossistemas (biota, água, ar, solo, sedimentos etc.). Um dos efeitos ambientais indesejáveis dos agrotóxicos é a contaminação de espécies que não interferem no processo de produção que se tenta controlar (espécies não-alvos), dentre as quais se inclui a espécie humana.
Segundo a ANVISA, o aumento do uso de agroquímicos agrícolas tem efeitos graves no meio ambiente, na saúde de trabalhadores rurais e nos consumidores dos alimentos (Figura 1). Os agrotóxicos podem provocar três tipos de intoxicação: aguda, subaguda e crônica.
Na aguda, os sintomas surgem rapidamente. Na intoxicação subaguda, os sintomas aparecem aos poucos: dor de cabeça, dor de estômago e sonolência. Já a intoxicação crônica pode surgir meses ou anos após a exposição e pode levar a paralisias e doenças, como o câncer.
Os agrotóxicos podem ser classificados quanto ao seu grupo químico – organoclorados, organofosforados, carbamatos, etc, – quanto à sua toxicidade – extremamente tóxicos (Faixa vermelha), altamente tóxicos (Faixa Amarela), mediamente tóxicos (Faixa Azul) e pouco ou muito pouco tóxicos (Faixa Verde) – ou ainda quanto ao seu efeito – fungicidas, herbicidas, inseticidas etc. Essas classificações sinalizam que os agrotóxicos não agem só contra insetos, fungos e plantas, mas contra a vida dos seres humanos também.
Hoje já são comprovados os efeitos teratogênicos (nascimentos com malformações), mutagênicos (alterações genéticas gerando doenças) e carcinogênicos (surgimento de diferentes tipos de câncer na população exposta) dos agrotóxicos (INCA, 2005; TURCI, 2011). Em recente entrevista ao programa “De Frente com Gabi[iii]”, exibido pela emissora SBT – Sistema Brasileiro de Televisão -, a médica e especialista em câncer, Silvia Regina Brandalise, afirmou que o câncer é uma doença multifatorial, no entanto, “o aumento de casos de câncer entre a população com menos de 18 anos pode estar relacionado ao uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras”, pois os agentes químicos atacam as células do corpo humano, facilitando o desenvolvimento da doença. Com isso, Silvia Brandalise expôs que “os fatores de risco que estão sendo levantados são os poluentes ambientais, que são os pesticidas, infelizmente, a indústria chama de defensivo agrícola”, mas na verdade eles são venenos agrícolas que ocasionam a “quebra da Cromátide[iv], que é o primeiro passo para a carcinogênese[v].
Segundo Silvana Rubatto (ENSP/Fiocruz), em 2002 foram registrados 10 milhões de casos de câncer no mundo e para 2020 são projetados 15 milhões. O número de mortes, no entanto, deve subir mais: dos 6 milhões verificados em 2002, projetam-se 12 milhões para 2020, sendo a alimentação o maior fator de risco, seguido pelo tabaco, setor controlado também pelas corporações transnacionais.
No entanto, existe grande dificuldade em comprovar a maior incidência de câncer devido à contaminação por uso de agrotóxicos. De acordo com Wanderley Pignati, pesquisador da UFMT, para fazer a comprovação é preciso comparar dados epidemiológicos de doenças de regiões que usam muito agrotóxico com outras que usam pouco. Segundo pesquisas feitas pelo referido pesquisador em Mato Grosso, pode-se constatar, por exemplo, que nas três regiões do Mato Grosso onde mais se produz soja, milho e algodão há uma incidência três vezes maior de intoxicação aguda por agrotóxicos, comparando com outras 12 regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Além disso, essas regiões que produzem mais soja, milho e algodão apresentam incidência duas vezes maior de câncer em crianças e adultos e malformação em recém-nascidos do que nas outras regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos.
Em trabalho semelhante, a pesquisadora Silvana Rubatto (ENSP/Fiocruz) apontou que a Região Serrana do Rio de Janeiro apresenta alto índice de câncer, que é motivado por fatores ambientais. Nessa região o consumo de agrotóxicos é 1822% maior que a média do estado do Rio de Janeiro, sendo uma área importante de produção de hortifrutigranjeiros, que são vendidos, sobretudo, na Região Metropolitana. No entanto, a falta de dados mais precisos nos prontuários, como a profissão do paciente, impediu que a pesquisa realizada pudesse relacionar os casos diretamente ao manuseio de agrotóxicos. Entretanto, a verificação do alto índice de câncer na região que mais utiliza agrotóxicos no estado do Rio de Janeiro é um importante indicativo dos males que este produto causa em quem os aplica, assim como naqueles que consomem os alimentos produzidos com venenos dessa região.
Outro caso de grande repercussão referente à contaminação por agrotóxico[vi] foi exposto pela bióloga Danielly de Andrade Palma[vii], através da defesa de sua dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, que foi apresentada no dia 15 de março de 2011 na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e apontou a presença de pelo menos um tipo de agrotóxico no leite materno[viii] nas 62 mulheres pesquisadas, e em 85% dos casos foram encontrados entre 2 e 6 tipos. Ainda mais estarrecedor é que a substância com maior incidência é conhecida como DDE, um derivado de outro agrotóxico, DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), proibido pelo Governo Federal[ix] em 1998 por provocar infertilidade no homem e abortos espontâneos nas mulheres.
A pesquisa teve como recorte espacial o município de Lucas do Rio Verde (MT), um dos maiores produtores de soja do Brasil. Mesmo com todos esses indícios de que o veneno faz mal à saúde, o governo, por exemplo, autorizou em Novembro elevar em dez vezes o limite máximo de resíduo (LMR) no cultivo do milho.
Pela gravidade das consequências geradas pelo uso de agrotóxicos, é fundamental melhorar o sistema de catalogação dos dados sobre intoxicações. Neste sentido, hoje existe o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, o SINITOX, que é ligado à Fiocruz, do Rio de Janeiro. A função do SINITOX é orientar as famílias, os agentes de saúde na forma de lidar com intoxicações. Eles são organizados em centros, não estão em todos os estados, que remetem as informações para o Rio de Janeiro. Mas eles não têm função de fazer um banco de dados. Já o Sistema de Informação de Agravos de Notificação, SINAN, é vinculado diretamente ao Ministério da Saúde, com o intuito de cadastrar os dados de intoxicações.
A maior abrangência e catalogação dos dados é fundamental para relacionar/comprovar os danos que são causados pelo uso de agrotóxicos, e assim, possibilitar uma maior conscientização da população em relação à qualidade dos alimentos que temos ingerido, mas possibilitar também ao Estado promover políticas públicas, em especial, voltadas para a saúde pública e a alimentação saudável da população.
5- Agrotóxicos e suas consequências
Como vimos anteriormente, a produção e a comercialização dos agrotóxicos no Brasil se concentra na mão de seis grandes empresas transnacionais, que controlam mais de 80% do mercado dos agroquímicos.
Além de controlar a fabricação dos agrotóxicos, essas empresas também controlam a produção e comercialização de sementes e medicamentos, criando assim, um ciclo vicioso de consumo para gerar lucro, no qual a saúde da população não é o mais importante. Quanto mais veneno utilizado na agricultura, maior é a incidência de doenças e, consequentemente, maior será a utilização de remédios fabricados por essas mesmas grandes corporações do setor químico-farmacêutico, portanto mais lucro elas terão com a contaminação da população.
O modelo agrícola brasileiro revela uma grande contradição. Enquanto bate recordes seguidos de produtividade, contribuindo com cerca de 30% das exportações brasileiras, 40% da população brasileira sofre com a insegurança alimentar[x], segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A sociedade brasileira conta com 70 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar e com o consumo de apenas 1/3 de frutas, verduras e legumes necessárias a uma alimentação saudável, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Dados sobre Agrotóxicos no Brasil
O Brasil é o campeão mundial em consumo de agrotóxicos. Em 2008, foram utilizados 673.862 toneladas de agroquímicos e a indústria química movimentou US$ 7,125 bilhões.
Mais de 1,5 milhão das 5,2 milhões de propriedades rurais do país utiliza agrotóxicos.
1,396 milhão de estabelecimentos agrícolas utilizam herbicidas, fungicidas e inseticidas.
Cerca de 56% dos que recorrem a produtos químicos na agricultura não seguem orientação técnica.
70,7% usaram pulverizador costal para aplicação de agrotóxicos, equipamento que apresenta maior potencial de exposição aos trabalhadores.
Em cerca de 20% das propriedades que aplicaram agrotóxicos não se utilizava equipamento de proteção.
Houve ao menos 25.008 casos de intoxicação de agricultores.
O pimentão é o alimento que apresenta maior índice de agrotóxicos. 64% das amostras analisadas por pesquisa da ANVISA apresentaram problemas.
Morango, uva e cenoura aparecem na sequência, com mais de 30% de resíduos cada.
Substâncias proibidas em muitas partes do mundo foram encontradas em abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva.
Fontes: Sindicato Nacional da Indústria de Defesa Vegetal (Sindag), Censo Agropecuário (IBGE), 2006.
Levantamentos do IBGE e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindag), ambos de 2009, apresentam o crescimento de 4,59% da área cultivada no Brasil no período entre 2004 e 2008. Por outro lado, as quantidades vendidas de agrotóxicos, no mesmo período, subiram aproximadamente 44,6%. Isso equivale a dizer que se venderam agrotóxicos num ritmo quase 10 vezes superior ao crescimento da área plantada no Brasil naquele período. Ao analisarmos a distribuição espacial do uso de agrotóxicos por estado fica evidenciada a relação entre agronegócio e agrotóxico. Vejamos o gráfico abaixo:
Gráfico 3: Uso de agrotóxicos por estado – Brasil 2009
Fonte: SINDAG, 2009.
Ao analisarmos o gráfico acima podemos constatar que os estados da federação com maior utilização de agrotóxicos (MT, SP, PR, RS e GO) são marcados pelo cultivo de monoculturas (por exemplo, a soja), transgênicos e dominados pelo agronegócio.
Segundo dados do Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxico em Alimentos (PARA), da ANVISA, que analisou o índice de contaminação de alimentos em 26 estados brasileiros, chegou-se a dados alarmantes, vejamos os destaques abaixo:
Pimentão (80%)
Uva (56,4%)
Pepino (54,8%)
Morango (50,8%)
Couve (44,2%)
Abacaxi (44,1%)
Mamão (38,8%)
Alface (38,4%), além outras 12 culturas analisadas e registradas com resíduos de agrotóxicos.
O fato é ainda mais preocupante, pois das 819 amostras que apresentaram ingredientes ativos (IAs) não autorizados, 206 amostras (25,1%) apresentaram resíduos que se encontram em processo de reavaliação toxicológica no Brasil. Desse universo, 32 amostras contém ingredientes ativos banidos ou nunca sequer registrados no Brasil, como o heptacloro, clortiofós, dieldrina, mirex, parationa-etílica, monocrotofós e azinfósmetílico.
Todavia, é importante ressaltar que as culturas que mais utilizam agrotóxicos no país são justamente aquelas produzidas no modelo do agronegócio, cultivadas em grandes áreas de monocultivos e voltadas para a exportação (gráfico 2), como é o caso da soja, que é responsável por 47% do volume total de agrotóxicos comercializados no país.
Gráfico 4: Uso de agrotóxicos por cultura – Brasil 2009
Fonte: SINDAG, 2009.
Recentemente a senadora (ex-DEM e atualmente PSD) e presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu, que representa os interesses dos ruralistas e do agronegócio, defendeu em discurso na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, que “o agronegócio deve continuar a produzir alimentos com venenos para os pobres, pois são mais baratos”. Já os pequenos agricultores, que se dedicam a produzir alimentos orgânicos, ou seja, sem venenos, devem continuar a produzir para que a elite brasileira (inclui-se nesse seleto grupo a própria senadora do agronegócio) possa continuar se alimentando com produtos saudáveis, que acabam por ser mais caros e não acessíveis a grande parcela da população.
6- A agroecologia como alternativa?
Segundo dados do IBGE, hoje o Brasil tem um total de 1,767 milhão de hectares cultivados com orgânicos. No ano passado, o setor faturou R$ 500 milhões, um crescimento de 40% em relação a 2009. Para 2011, a estimativa é de R$ 700 milhões.
Segundo Sonia Stertz, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos do Paraná, a vantagem do alimento orgânico é o fato de ele ser mais nutritivo, seu consumo reduz a ingestão de substâncias químicas nocivas à saúde humana, além de diminuir o impacto ambiental e a qualidade de vida do agricultor.
No entanto, é importante diferenciar agricultura agroecológica da agricultura orgânica; esta última se define como um sistema produtivo que evita o uso de agroquímicos e reguladores do crescimento. Segundo esta definição, diferentemente da agroecologia, um produto pode ser orgânico mesmo que não se levem a cabo práticas de conservação e não se minimizem a utilização de insumos externos. Portanto, pode-se dizer que se não existem sistemas agroecológicos que não sejam orgânicos, podem existir sistemas de produção orgânicos que não sejam agroecológicos.
Essa diferença nos faz ressaltar a maior adequação da agroecologia à agricultura familiar, ao passo que a produção orgânica pode sem grandes problemas adaptar-se a uma agricultura empresarial em larga escala, como mostram as experiências em curso de açúcar orgânico, café orgânico e, especialmente a criação do “boi verde” em grandes latifúndios.
Foi a partir do desdobramento de pesquisas realizadas na Europa e nos EUA que visavam a estudar os efeitos da agricultura convencional que surgem ainda na década de 1980 a agricultura regenerativa e a agroecologia, cuja preocupação geral estava em valorizar os aspectos socioculturais da produção agrícola (EHLERS, 1996). A agroecologia passou a se firmar como disciplina científica principalmente entre os pesquisadores norte-americanos e passou a ser fundamental na compreensão das complexas relações entre a agricultura e os ecossistemas.
Não por acaso, Miguel Altieri (Professor da Universidade da Califórnia em Berkley) é um dos maiores expoentes na constituição das bases cientificas da agroecologia, propondo que esta seja considerada como:
A ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade. A agroecologia proporciona então as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura sustentável nas suas diversas manifestações e/ou denominações (ALTIERI, 2000, p. 56.).
Desse modo, Altieri (2000) aponta que os estudos agroecológicos davam conta de algo que a agronomia convencional não valorizava, a integração dos diferentes campos do conhecimento. Com isso, o crescimento da agroecologia foi de grande influência para o desenvolvimento do conceito de agricultura sustentável.
Numa aproximação maior com as Ciências Sociais e com enfoque no desenvolvimento rural, outra importante referência teórica para os estudos agroecológicos são os trabalhos de Eduardo Sevilla Guzmán[xi]. O referido pesquisador aponta que agroecologia constitui-se num campo de conhecimentos que promove o manejo ecológico dos recursos naturais, através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo desde os âmbitos da produção e da circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e de consumo que contribuam para encarar a crise ecológica e social e, deste modo, restaurar o curso alterado da coevolução social e ecológica (GUZMÁN, 2002).
Com isso, podemos entender a agroecologia como uma ciência que nos permite compreender de forma mais profunda a natureza dos agroecossistemas e os princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se da integração de princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo (ALTIERI, 2000).
No entanto, mais do que um conjunto definido de práticas, a agricultura sustentável via agroecologia ainda hoje se constitui num anseio (apesar do crescimento de experiências agroecológicas pelo Brasil), num objetivo a ser alcançado e, portanto, para que se torne uma alternativa consistente ao modelo difundido pelo binômio Revolução Verde – Agronegócio, esta precisa trilhar um longo caminho no qual se devem aplicar esforços cada vez maiores no desenvolvimento de tecnologias apropriadas à valorização de ecossistemas complexos (EHLERS, 1996), para que não continuemos a constatar o agravamento dos danos socioecológicos, tais como o desflorestamento, a diminuição da biodiversidade, a perda de fertilidade dos solos e aumento da erosão, a contaminação dos alimentos, das águas e dos homens do campo e da cidade por agrotóxicos etc.
Nesse sentido, a agroecologia carrega uma concepção mais abrangente do que as demais propostas alternativas para a agricultura, como a orgânica. Ela carrega em seu interior, além da preocupação com o equilíbrio de agroecossistemas [xii], uma crítica social bastante abrangente, que abarca a responsabilidade de tentar servir de alternativa para a busca de um novo caminho de desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos no decorrer deste artigo demonstrar o quanto é importante fomentar o debate sobre o uso (intensivo) de agrotóxicos na agricultura brasileira. Esse tema deve ser mais publicizado por diferentes setores da sociedade para que a população possa ter conhecimento dos malefícios que esses agroquímicos podem causar ao meio ambiente e à saúde das pessoas, e assim, discutir se querem uma agricultura dita produtiva com base em agroquímicos e máquinas ou uma agricultura alternativa com produção de alimentos sem o uso de insumos químicos. Por conta disso, defendemos que este tema seja tratado como de utilidade pública.
Para que se construa uma agricultura alternativa ao atual padrão tecnológico agropecuário é vital que o poder público nas suas diferentes esferas desenvolva políticas públicas de ampla envergadura voltadas aos agricultores familiares que em geral são os principais produtores de alimentos (sem agroquímicos) consumidos na dieta alimentar básica do brasileiro. Para isso, será fundamental reorientar as pesquisas e o desenvolvimento de tecnologia, notadamente, a partir de instituições públicas como a EMBRAPA e as EMATER, visando a conciliar segurança alimentar com a manutenção dos recursos naturais. No entanto, ainda que estas mudanças estejam distantes na atual conjuntura, importantes ações políticas e práticas têm sido realizadas por diferentes movimentos organizados da sociedade civil – no caso da publicização dos malefícios do uso dos agrotóxicos, destacamos a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que tem aglutinados pesquisadores, instituições públicas, sindicatos, movimentos sociais e outros segmentos sociais.
Artigo de Thiago Lucas Alves da Silva, Professor de Geografia da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro e de cursos preparatórios públicos e privados na mesma cidade. Licenciado em Geografia pela FFP-UERJ, Pós-graduado (Lato Sensu) em Políticas Territoriais no Estado do RJ (IGEO-UERJ) e Mestre em Ciências Sociais – Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura pelo CPDA/UFRRJ.
Na safra de 2008/2009, foram vendidos 7,125 bilhões de dólares em agrotóxicos. O uso dos agrotóxicos no Brasil é tão intenso que, fazendo uma distribuição da quantidade de veneno (920 milhões de toneladas) utilizado no ano de 2009 por habitante (192 milhões), chega-se à conclusão de que cada brasileiro consumiu uma média de 4,7 kg de agrotóxicos. Em 2010, mais de um milhão de toneladas (o equivalente a mais de 1 bilhão de litros) de venenos foram jogados nas lavouras, ou seja, cada brasileiro teria consumido estarrecedores 5,2kg/ano, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (SINDAG, 2010). Vejamos abaixo como o Brasil chegou a esse título nada lisonjeador.
2- Revolução Verde – A gênese do atual modelo predatório agrícola brasileiro
A ideia de uma produção capitalista em larga escala no campo surge no contexto da Revolução Verde, que teve origem após as grandes guerras mundiais, quando a indústria química fabricante de venenos então usados como armas químicas encontrou na agricultura um novo mercado para os seus produtos (LONDRES, 2011). A partir da década de 1950, tornou-se o paradigma dos países desenvolvidos e modelo de desenvolvimento a ser seguido pelos países periféricos como o Brasil.
A Revolução Verde foi um processo de mudança da política agrícola e tecnológica implementada a partir da Segunda Guerra Mundial. Com um falso discurso de modernização do campo, esse processo incentivou e impôs a prática de monocultivos, uso de sementes híbridas e geneticamente modificadas (os transgênicos[i]), uso de mecanização pesada no campo e uso de pacotes agroquímicos.
O final da década de 1970 e início da década de 1980 foi o auge do processo de subordinação da agricultura à indústria e com crédito fácil para expandir a industrialização da lavoura que, por sua vez, possibilitou uma maior implementação de máquinas e outros insumos químicos na agricultura. Este processo segue se desenvolvendo na agricultura brasileira, recebendo cada vez mais influência externa (econômica e ideológica) até chegar a ser o que denominamos hoje de agronegócio.
Goodman, Sorj e Wilkinson (1990) nos auxiliam a compreender o processo de adaptação da agricultura aos ditames do modo de produção capitalista, por se transformar num ramo cada vez mais articulado a tais práticas. No entanto, esses autores sinalizam que essa adaptação da agricultura à produção capitalista encontrou barreiras ao se defrontar com condições naturais de reprodução da natureza.
Com o intuito de explicar como este processo se desenvolveu, os autores indicam como os elementos naturais foram sendo, pouco a pouco, eliminados da produção agrícola e implementados pela atividade industrial. Para analisar as dimensões destas mudanças, os autores lançam mão de dois conceitos que se complementam no sentido de identificar o caminho seguido pela industrialização da agricultura: apropriacionismo e substitucionismo.
Assim, diferentes aspectos da produção agrícola foram transformados em setores específicos da atividade industrial. A este processo descontínuo, porém persistente, de eliminação de elementos discretos da produção agrícola, sua transformação em atividades agrícolas e sua reincorporação na agricultura sob a forma de insumos designamos apropriacionismo. Os produtos da agricultura igualmente apresentaram problemas singulares para a produção industrial. O destino deles como alimento impedia sua simples substituição por produtos industriais. Entretanto, o surgimento da indústria alimentícia, argumentamos, representa um processo igualmente descontínuo, mas permanente, de alcançar a produção industrial de alimentos, que denominamos de substitucionismo. Neste processo, a atividade industrial não apenas representa uma proporção crescente de valor agregado, mas o produto agrícola, depois de ser primeiramente reduzido a um insumo industrial, sofre cada vez mais a substituição por componentes não agrícolas. (GOODMAN, SORJ e WILKINSON, 1990, p.1-2)
Neste sentido, os conceitos de apropriacionismo e substitucionismo nos ajudam a compreender como se deu a integração do setor agrícola à lógica industrial, seja procurando diminuir a dependência desse setor aos fatores naturais, seja transformando os produtos agrícolas em meros insumos industriais e, assim, comprometendo a existência do setor agrícola e de sua principal característica que se encontra no ritmo de produção da natureza e não da indústria.
Para a que as transformações propostas pela Revolução Verde fossem rapidamente incorporadas, foi fundamental a atuação do Estado enquanto agente promotor e financiador do “pacote tecnológico” e, consequentemente, da subordinação da agricultura aos interesses urbano-industriais. Isto culminou na formação dos chamados complexos agroindustriais (e suas implicações para agropecuária ao estabelecer uma nova relação entre os setores da agricultura e indústria), sendo estes um verdadeiro reflexo das transformações citadas e desenhando estes os traços que marcaram a chamada “modernização conservadora” da agricultura brasileira.
De forma genérica, pode-se apontar, num sentido amplo, que o agronegócio ou agribusiness se refere a um tipo de produção agrícola em grande escala e em grandes propriedades. Porém, diante das intrínsecas relações com o comércio e a indústria, hoje compreende também toda cadeia de produção agropecuária, a comercialização desta produção e de todos os elementos necessários à sua viabilização, bem como a produção de insumos, maquinários, tecnologias (biotecnologia, transgênicos) e a industrialização da produção e sua distribuição.
No atual período de globalização neoliberal, o agronegócio cada vez mais vem sendo controlado por empresas e não pelos produtores. No caso do Brasil, há grandes corporações transnacionais como a Cargil, Bunge, Monsanto, Bayer, e outras, que determinam o preço das sementes, dos fertilizantes, dos defensivos agrícolas, dos maquinários, e também interferem na cotação final do produto quando de sua comercialização, que em grande parte é destinada para o mercado externo. Em 2007, 58,5% de toda produção de frango, 52% do etanol, 41% do açúcar e 36,3% da soja do Brasil foi exportada (ANUÁRIO EXAME, 2008).
A força do poder do agronegócio não se encontra apenas na economia. Através da análise das práticas institucionais de parlamentares brasileiros, pode-se constatar uma rede que tem como grande objetivo defender os mais diversos interesses do(s) (empresários do) agronegócio, em especial, a propriedade privada da terra. Essa rede do agronegócio formada por parlamentares é conhecida como a bancada ruralista (BRUNO, 1991; COSTA, 2008 e VIGNA, 2007). É possível afirmar que o poder e a força patronal no campo brasileiro são construídos pelo intenso e incessante movimento articulado de distintas escalas (em rede) de pressão e influência, encontrando na bancada ruralista sua expressão máxima de defesa e proteção das elites do agro no Brasil, reconhecendo sua forma de organização superior a qualquer critério político e democrático.
Segundo Porto-Gonçalves, (2008) o bloco de poder do chamado agronegócio é atualmente técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático e parlamentar, garantia institucional que mantém e reproduz as atuais e assimétricas relações sociais e de poder inseridas no mundo rural brasileiro e que conserva a perversa estrutura fundiária brasileira. Sendo assim, o agronegócio é o resultado de uma aliança entre empresas transnacionais, o capital financeiro e grandes proprietários de terras, nacionais e estrangeiros.
Os agrotóxicos são uma das bases (de produção e comercialização) do agronegócio, pois grande parte das empresas que atuam no ramo da produção de sementes também atua no campo da produção e comercialização de agrotóxicos. Nos últimos anos, estas empresas passaram por processos fusões e aquisições que as levaram ao controle oligopolizado da agricultura brasileira.
3- O financiamento público para o agronegócio e o uso dos agrotóxicos
O Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário é a soma de todas as mercadorias agrícolas vendidas. Os dados disponíveis pelo IBGE apontam que o PIB agropecuário de 2009 esteja em torno de R$ 163 bilhões, cerca de 15% do PIB total do Brasil.
Desse montante, cerca de R$ 120 bilhões sejam do agronegócio. Para entender o que significam esses R$ 163 bilhões, é necessário conhecer o modelo que sustenta esse tipo de produção. Mais da metade do valor gerado – cerca de R$ 90 bilhões – é o volume de crédito oficial destinado aos “empresários” do agronegócio, ou seja, seis vezes mais do que a verba do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), destinada aos agricultores familiares para a safra 2009/2010, que foi de R$ 15 Bilhões[ii].
Para seguir o modelo da “moderna agricultura”, grande parte dos R$ 90 bilhões de crédito vai para o pacote máquinas-fertilizantes-agrotóxicos. E quem se beneficia com esse crédito? As grandes empresas transnacionais, que juntas somam lucros acima do total do PIB agrícola. Vejamos abaixo as principais produtoras de agrotóxicos no Brasil.
As principais empresas produtores de agrotóxicos no Brasil. Fonte: www.mst.org.br
Segundo o anuário do agronegócio referente a 2010, os ativos das 50 maiores empresas do setor de insumos químicos ficaram em R$ 189 bilhões. As dez maiores controlam 51% do já oligopolizado mercado. Deste valor, parte considerável vai para o mercado de agrotóxicos. As vendas mundiais de venenos chegaram a US$ 48 bilhões. No Brasil, o mercado tem crescido vertiginosamente, como podemos constatar pelo gráfico abaixo.
Gráfico 1: Taxas de crescimento das vendas de agrotóxicos no Brasil e no mundo, com base no ano 2000.
Fonte: ANVISA, 2010
Para o período de 2000 a 2009, são apresentadas no gráfico 1 as taxas de crescimento das vendas de agrotóxicos no Brasil e no mundo, com base no ano 2000. Pode-se verificar que o crescimento das vendas no Brasil foi maior que no mundo, assumindo valores superiores a 100% a partir de 2007. Em 2008, o Brasil assumiu a posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, posição antes ocupada pelos Estados Unidos. Para atingir tal patamar, as empresas produtoras de agrotóxicos, além das isenções federais, possuem isenções complementares determinadas por alguns estados como o Ceará, que isenta em 100% de ICMS, IPI, COFINS e PIS/PASEP as atividades que envolvem o agrotóxico.
Larissa Mies Bombardi, professora do Departamento de Geografia USP, aponta que:
Somando as receitas das principais empresas estrangeiras produtoras de agrotóxicos no Brasil, segundo o balanço de 2009, temos um total de R$ 14 bilhões. Este dado é muito significativo, já que revela que, do PIB agrícola como um todo, o setor de agrotóxicos abocanhou, sozinho, cerca de 10%, isso lembrando que não estão computados os dados da Monsanto. Isto significa que estamos, literalmente, comendo veneno, monopolizado pelo capital estrangeiro. (MST, 06/12/2010)
Com isso, é fácil constatar que, com fortalecimento do agronegócio no Brasil, haverá aumento do cultivo de monoculturas, que acarretará em maior uso de maquinário e veneno na agricultura (Gráfico 2), ocasionando um verdadeiro desequilíbrio socioambiental.
Gráfico 2 – Previsão de entrega (venda) de fertilizantes no Brasil
Fonte: ANDA, 2008.
De acordo com o geógrafo Paulo Alentejano (DGEO/FFP-UERJ e EPSJV/Fiocruz), o controle das grandes corporações sobre a agricultura no Brasil gera concentração de renda e empobrecimento dos agricultores. Neste sentido, acreditamos que o atual cenário do espaço agrário brasileiro indica que está em curso um intenso processo de monopolização da agricultura pelo capital estrangeiro (BOMBARDI, 2011).
4- Uso de agrotóxico e o aumento de doenças
A agricultura é praticada pela humanidade há mais de dez mil anos. Desde a sua gênese o homem se preocupou em produzir e consumir alimentos nutritivos e de boa qualidade. No entanto, com o forte processo de industrialização/ urbanização que foi se delineando no mundo ao longo do tempo, o sistema capitalista procurou padronizar os hábitos alimentares, fazendo com que a alimentação humana tenha se tornado mórbida, com poucos nutrientes e sobretudo envenenada, trazendo sérias consequências para a saúde humana.
Segundo relatam Peres e Moreira (2007, p.05):
A larga utilização de agrotóxicos no processo de produção agropecuária, entre outras aplicações, tem trazido uma série de transtornos e modificações para o ambiente, seja através da contaminação das comunidades de seres vivos que o compõem, seja através da sua acumulação nos segmentos bióticos e abióticos dos ecossistemas (biota, água, ar, solo, sedimentos etc.). Um dos efeitos ambientais indesejáveis dos agrotóxicos é a contaminação de espécies que não interferem no processo de produção que se tenta controlar (espécies não-alvos), dentre as quais se inclui a espécie humana.
Segundo a ANVISA, o aumento do uso de agroquímicos agrícolas tem efeitos graves no meio ambiente, na saúde de trabalhadores rurais e nos consumidores dos alimentos (Figura 1). Os agrotóxicos podem provocar três tipos de intoxicação: aguda, subaguda e crônica.
Os agrotóxicos podem ser classificados quanto ao seu grupo químico – organoclorados, organofosforados, carbamatos, etc, – quanto à sua toxicidade – extremamente tóxicos (Faixa vermelha), altamente tóxicos (Faixa Amarela), mediamente tóxicos (Faixa Azul) e pouco ou muito pouco tóxicos (Faixa Verde) – ou ainda quanto ao seu efeito – fungicidas, herbicidas, inseticidas etc. Essas classificações sinalizam que os agrotóxicos não agem só contra insetos, fungos e plantas, mas contra a vida dos seres humanos também.
Hoje já são comprovados os efeitos teratogênicos (nascimentos com malformações), mutagênicos (alterações genéticas gerando doenças) e carcinogênicos (surgimento de diferentes tipos de câncer na população exposta) dos agrotóxicos (INCA, 2005; TURCI, 2011). Em recente entrevista ao programa “De Frente com Gabi[iii]”, exibido pela emissora SBT – Sistema Brasileiro de Televisão -, a médica e especialista em câncer, Silvia Regina Brandalise, afirmou que o câncer é uma doença multifatorial, no entanto, “o aumento de casos de câncer entre a população com menos de 18 anos pode estar relacionado ao uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras”, pois os agentes químicos atacam as células do corpo humano, facilitando o desenvolvimento da doença. Com isso, Silvia Brandalise expôs que “os fatores de risco que estão sendo levantados são os poluentes ambientais, que são os pesticidas, infelizmente, a indústria chama de defensivo agrícola”, mas na verdade eles são venenos agrícolas que ocasionam a “quebra da Cromátide[iv], que é o primeiro passo para a carcinogênese[v].
Segundo Silvana Rubatto (ENSP/Fiocruz), em 2002 foram registrados 10 milhões de casos de câncer no mundo e para 2020 são projetados 15 milhões. O número de mortes, no entanto, deve subir mais: dos 6 milhões verificados em 2002, projetam-se 12 milhões para 2020, sendo a alimentação o maior fator de risco, seguido pelo tabaco, setor controlado também pelas corporações transnacionais.
No entanto, existe grande dificuldade em comprovar a maior incidência de câncer devido à contaminação por uso de agrotóxicos. De acordo com Wanderley Pignati, pesquisador da UFMT, para fazer a comprovação é preciso comparar dados epidemiológicos de doenças de regiões que usam muito agrotóxico com outras que usam pouco. Segundo pesquisas feitas pelo referido pesquisador em Mato Grosso, pode-se constatar, por exemplo, que nas três regiões do Mato Grosso onde mais se produz soja, milho e algodão há uma incidência três vezes maior de intoxicação aguda por agrotóxicos, comparando com outras 12 regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Além disso, essas regiões que produzem mais soja, milho e algodão apresentam incidência duas vezes maior de câncer em crianças e adultos e malformação em recém-nascidos do que nas outras regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos.
Em trabalho semelhante, a pesquisadora Silvana Rubatto (ENSP/Fiocruz) apontou que a Região Serrana do Rio de Janeiro apresenta alto índice de câncer, que é motivado por fatores ambientais. Nessa região o consumo de agrotóxicos é 1822% maior que a média do estado do Rio de Janeiro, sendo uma área importante de produção de hortifrutigranjeiros, que são vendidos, sobretudo, na Região Metropolitana. No entanto, a falta de dados mais precisos nos prontuários, como a profissão do paciente, impediu que a pesquisa realizada pudesse relacionar os casos diretamente ao manuseio de agrotóxicos. Entretanto, a verificação do alto índice de câncer na região que mais utiliza agrotóxicos no estado do Rio de Janeiro é um importante indicativo dos males que este produto causa em quem os aplica, assim como naqueles que consomem os alimentos produzidos com venenos dessa região.
Outro caso de grande repercussão referente à contaminação por agrotóxico[vi] foi exposto pela bióloga Danielly de Andrade Palma[vii], através da defesa de sua dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, que foi apresentada no dia 15 de março de 2011 na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e apontou a presença de pelo menos um tipo de agrotóxico no leite materno[viii] nas 62 mulheres pesquisadas, e em 85% dos casos foram encontrados entre 2 e 6 tipos. Ainda mais estarrecedor é que a substância com maior incidência é conhecida como DDE, um derivado de outro agrotóxico, DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), proibido pelo Governo Federal[ix] em 1998 por provocar infertilidade no homem e abortos espontâneos nas mulheres.
A pesquisa teve como recorte espacial o município de Lucas do Rio Verde (MT), um dos maiores produtores de soja do Brasil. Mesmo com todos esses indícios de que o veneno faz mal à saúde, o governo, por exemplo, autorizou em Novembro elevar em dez vezes o limite máximo de resíduo (LMR) no cultivo do milho.
Pela gravidade das consequências geradas pelo uso de agrotóxicos, é fundamental melhorar o sistema de catalogação dos dados sobre intoxicações. Neste sentido, hoje existe o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, o SINITOX, que é ligado à Fiocruz, do Rio de Janeiro. A função do SINITOX é orientar as famílias, os agentes de saúde na forma de lidar com intoxicações. Eles são organizados em centros, não estão em todos os estados, que remetem as informações para o Rio de Janeiro. Mas eles não têm função de fazer um banco de dados. Já o Sistema de Informação de Agravos de Notificação, SINAN, é vinculado diretamente ao Ministério da Saúde, com o intuito de cadastrar os dados de intoxicações.
A maior abrangência e catalogação dos dados é fundamental para relacionar/comprovar os danos que são causados pelo uso de agrotóxicos, e assim, possibilitar uma maior conscientização da população em relação à qualidade dos alimentos que temos ingerido, mas possibilitar também ao Estado promover políticas públicas, em especial, voltadas para a saúde pública e a alimentação saudável da população.
5- Agrotóxicos e suas consequências
Como vimos anteriormente, a produção e a comercialização dos agrotóxicos no Brasil se concentra na mão de seis grandes empresas transnacionais, que controlam mais de 80% do mercado dos agroquímicos.
Além de controlar a fabricação dos agrotóxicos, essas empresas também controlam a produção e comercialização de sementes e medicamentos, criando assim, um ciclo vicioso de consumo para gerar lucro, no qual a saúde da população não é o mais importante. Quanto mais veneno utilizado na agricultura, maior é a incidência de doenças e, consequentemente, maior será a utilização de remédios fabricados por essas mesmas grandes corporações do setor químico-farmacêutico, portanto mais lucro elas terão com a contaminação da população.
O modelo agrícola brasileiro revela uma grande contradição. Enquanto bate recordes seguidos de produtividade, contribuindo com cerca de 30% das exportações brasileiras, 40% da população brasileira sofre com a insegurança alimentar[x], segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A sociedade brasileira conta com 70 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar e com o consumo de apenas 1/3 de frutas, verduras e legumes necessárias a uma alimentação saudável, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Dados sobre Agrotóxicos no Brasil
O Brasil é o campeão mundial em consumo de agrotóxicos. Em 2008, foram utilizados 673.862 toneladas de agroquímicos e a indústria química movimentou US$ 7,125 bilhões.
Mais de 1,5 milhão das 5,2 milhões de propriedades rurais do país utiliza agrotóxicos.
1,396 milhão de estabelecimentos agrícolas utilizam herbicidas, fungicidas e inseticidas.
Cerca de 56% dos que recorrem a produtos químicos na agricultura não seguem orientação técnica.
70,7% usaram pulverizador costal para aplicação de agrotóxicos, equipamento que apresenta maior potencial de exposição aos trabalhadores.
Em cerca de 20% das propriedades que aplicaram agrotóxicos não se utilizava equipamento de proteção.
Houve ao menos 25.008 casos de intoxicação de agricultores.
O pimentão é o alimento que apresenta maior índice de agrotóxicos. 64% das amostras analisadas por pesquisa da ANVISA apresentaram problemas.
Morango, uva e cenoura aparecem na sequência, com mais de 30% de resíduos cada.
Substâncias proibidas em muitas partes do mundo foram encontradas em abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva.
Fontes: Sindicato Nacional da Indústria de Defesa Vegetal (Sindag), Censo Agropecuário (IBGE), 2006.
Levantamentos do IBGE e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindag), ambos de 2009, apresentam o crescimento de 4,59% da área cultivada no Brasil no período entre 2004 e 2008. Por outro lado, as quantidades vendidas de agrotóxicos, no mesmo período, subiram aproximadamente 44,6%. Isso equivale a dizer que se venderam agrotóxicos num ritmo quase 10 vezes superior ao crescimento da área plantada no Brasil naquele período. Ao analisarmos a distribuição espacial do uso de agrotóxicos por estado fica evidenciada a relação entre agronegócio e agrotóxico. Vejamos o gráfico abaixo:
Gráfico 3: Uso de agrotóxicos por estado – Brasil 2009
Fonte: SINDAG, 2009.
Ao analisarmos o gráfico acima podemos constatar que os estados da federação com maior utilização de agrotóxicos (MT, SP, PR, RS e GO) são marcados pelo cultivo de monoculturas (por exemplo, a soja), transgênicos e dominados pelo agronegócio.
Segundo dados do Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxico em Alimentos (PARA), da ANVISA, que analisou o índice de contaminação de alimentos em 26 estados brasileiros, chegou-se a dados alarmantes, vejamos os destaques abaixo:
Pimentão (80%)
Uva (56,4%)
Pepino (54,8%)
Morango (50,8%)
Couve (44,2%)
Abacaxi (44,1%)
Mamão (38,8%)
Alface (38,4%), além outras 12 culturas analisadas e registradas com resíduos de agrotóxicos.
O fato é ainda mais preocupante, pois das 819 amostras que apresentaram ingredientes ativos (IAs) não autorizados, 206 amostras (25,1%) apresentaram resíduos que se encontram em processo de reavaliação toxicológica no Brasil. Desse universo, 32 amostras contém ingredientes ativos banidos ou nunca sequer registrados no Brasil, como o heptacloro, clortiofós, dieldrina, mirex, parationa-etílica, monocrotofós e azinfósmetílico.
Todavia, é importante ressaltar que as culturas que mais utilizam agrotóxicos no país são justamente aquelas produzidas no modelo do agronegócio, cultivadas em grandes áreas de monocultivos e voltadas para a exportação (gráfico 2), como é o caso da soja, que é responsável por 47% do volume total de agrotóxicos comercializados no país.
Gráfico 4: Uso de agrotóxicos por cultura – Brasil 2009
Fonte: SINDAG, 2009.
Recentemente a senadora (ex-DEM e atualmente PSD) e presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu, que representa os interesses dos ruralistas e do agronegócio, defendeu em discurso na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, que “o agronegócio deve continuar a produzir alimentos com venenos para os pobres, pois são mais baratos”. Já os pequenos agricultores, que se dedicam a produzir alimentos orgânicos, ou seja, sem venenos, devem continuar a produzir para que a elite brasileira (inclui-se nesse seleto grupo a própria senadora do agronegócio) possa continuar se alimentando com produtos saudáveis, que acabam por ser mais caros e não acessíveis a grande parcela da população.
6- A agroecologia como alternativa?
Segundo dados do IBGE, hoje o Brasil tem um total de 1,767 milhão de hectares cultivados com orgânicos. No ano passado, o setor faturou R$ 500 milhões, um crescimento de 40% em relação a 2009. Para 2011, a estimativa é de R$ 700 milhões.
Segundo Sonia Stertz, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos do Paraná, a vantagem do alimento orgânico é o fato de ele ser mais nutritivo, seu consumo reduz a ingestão de substâncias químicas nocivas à saúde humana, além de diminuir o impacto ambiental e a qualidade de vida do agricultor.
No entanto, é importante diferenciar agricultura agroecológica da agricultura orgânica; esta última se define como um sistema produtivo que evita o uso de agroquímicos e reguladores do crescimento. Segundo esta definição, diferentemente da agroecologia, um produto pode ser orgânico mesmo que não se levem a cabo práticas de conservação e não se minimizem a utilização de insumos externos. Portanto, pode-se dizer que se não existem sistemas agroecológicos que não sejam orgânicos, podem existir sistemas de produção orgânicos que não sejam agroecológicos.
Essa diferença nos faz ressaltar a maior adequação da agroecologia à agricultura familiar, ao passo que a produção orgânica pode sem grandes problemas adaptar-se a uma agricultura empresarial em larga escala, como mostram as experiências em curso de açúcar orgânico, café orgânico e, especialmente a criação do “boi verde” em grandes latifúndios.
Foi a partir do desdobramento de pesquisas realizadas na Europa e nos EUA que visavam a estudar os efeitos da agricultura convencional que surgem ainda na década de 1980 a agricultura regenerativa e a agroecologia, cuja preocupação geral estava em valorizar os aspectos socioculturais da produção agrícola (EHLERS, 1996). A agroecologia passou a se firmar como disciplina científica principalmente entre os pesquisadores norte-americanos e passou a ser fundamental na compreensão das complexas relações entre a agricultura e os ecossistemas.
Não por acaso, Miguel Altieri (Professor da Universidade da Califórnia em Berkley) é um dos maiores expoentes na constituição das bases cientificas da agroecologia, propondo que esta seja considerada como:
A ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade. A agroecologia proporciona então as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura sustentável nas suas diversas manifestações e/ou denominações (ALTIERI, 2000, p. 56.).
Desse modo, Altieri (2000) aponta que os estudos agroecológicos davam conta de algo que a agronomia convencional não valorizava, a integração dos diferentes campos do conhecimento. Com isso, o crescimento da agroecologia foi de grande influência para o desenvolvimento do conceito de agricultura sustentável.
Numa aproximação maior com as Ciências Sociais e com enfoque no desenvolvimento rural, outra importante referência teórica para os estudos agroecológicos são os trabalhos de Eduardo Sevilla Guzmán[xi]. O referido pesquisador aponta que agroecologia constitui-se num campo de conhecimentos que promove o manejo ecológico dos recursos naturais, através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo desde os âmbitos da produção e da circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e de consumo que contribuam para encarar a crise ecológica e social e, deste modo, restaurar o curso alterado da coevolução social e ecológica (GUZMÁN, 2002).
Com isso, podemos entender a agroecologia como uma ciência que nos permite compreender de forma mais profunda a natureza dos agroecossistemas e os princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se da integração de princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo (ALTIERI, 2000).
No entanto, mais do que um conjunto definido de práticas, a agricultura sustentável via agroecologia ainda hoje se constitui num anseio (apesar do crescimento de experiências agroecológicas pelo Brasil), num objetivo a ser alcançado e, portanto, para que se torne uma alternativa consistente ao modelo difundido pelo binômio Revolução Verde – Agronegócio, esta precisa trilhar um longo caminho no qual se devem aplicar esforços cada vez maiores no desenvolvimento de tecnologias apropriadas à valorização de ecossistemas complexos (EHLERS, 1996), para que não continuemos a constatar o agravamento dos danos socioecológicos, tais como o desflorestamento, a diminuição da biodiversidade, a perda de fertilidade dos solos e aumento da erosão, a contaminação dos alimentos, das águas e dos homens do campo e da cidade por agrotóxicos etc.
Nesse sentido, a agroecologia carrega uma concepção mais abrangente do que as demais propostas alternativas para a agricultura, como a orgânica. Ela carrega em seu interior, além da preocupação com o equilíbrio de agroecossistemas [xii], uma crítica social bastante abrangente, que abarca a responsabilidade de tentar servir de alternativa para a busca de um novo caminho de desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos no decorrer deste artigo demonstrar o quanto é importante fomentar o debate sobre o uso (intensivo) de agrotóxicos na agricultura brasileira. Esse tema deve ser mais publicizado por diferentes setores da sociedade para que a população possa ter conhecimento dos malefícios que esses agroquímicos podem causar ao meio ambiente e à saúde das pessoas, e assim, discutir se querem uma agricultura dita produtiva com base em agroquímicos e máquinas ou uma agricultura alternativa com produção de alimentos sem o uso de insumos químicos. Por conta disso, defendemos que este tema seja tratado como de utilidade pública.
Para que se construa uma agricultura alternativa ao atual padrão tecnológico agropecuário é vital que o poder público nas suas diferentes esferas desenvolva políticas públicas de ampla envergadura voltadas aos agricultores familiares que em geral são os principais produtores de alimentos (sem agroquímicos) consumidos na dieta alimentar básica do brasileiro. Para isso, será fundamental reorientar as pesquisas e o desenvolvimento de tecnologia, notadamente, a partir de instituições públicas como a EMBRAPA e as EMATER, visando a conciliar segurança alimentar com a manutenção dos recursos naturais. No entanto, ainda que estas mudanças estejam distantes na atual conjuntura, importantes ações políticas e práticas têm sido realizadas por diferentes movimentos organizados da sociedade civil – no caso da publicização dos malefícios do uso dos agrotóxicos, destacamos a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que tem aglutinados pesquisadores, instituições públicas, sindicatos, movimentos sociais e outros segmentos sociais.
Artigo de Thiago Lucas Alves da Silva, Professor de Geografia da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro e de cursos preparatórios públicos e privados na mesma cidade. Licenciado em Geografia pela FFP-UERJ, Pós-graduado (Lato Sensu) em Políticas Territoriais no Estado do RJ (IGEO-UERJ) e Mestre em Ciências Sociais – Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura pelo CPDA/UFRRJ.
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