Se você emprestar o seu veículo, ainda que por curto espaço de tempo, a amigo seu que está visivelmente embriago, e este vier a causar acidente de trânsito com morte, você acredita que sua conduta estará subsumida no singelo artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual diz ser crime "permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a quem, por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança"? Você acredita, ainda, que a sua pena será de tão-somente "detenção, de seis meses a um ano, ou multa", à luz do artigo supra? Não, você será submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri pelo crime de homicídio doloso! Esse foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recente decisum.
Infere-se do julgado referido que entregar a direção de veículo automotivo a motorista alcoolizado pode caracterizar homicídio qualificado com dolo eventual. Ele ocorre quando o agente, mesmo sem buscar o resultado morte, assume o risco de produzi-lo. O entendimento foi dado pela Quinta Turma do STJ em pedido de habeas corpus contra julgado do Tribunal de Justiça de Pernambuco. No STJ, a defesa sustentou a tese de erro na denúncia, pois não teria ocorrido homicídio, e, sim, o delito do artigo 310 da lei 9.503/97. Não obstante, a relatora do processo, ministra Laurita Vaz, considerou que eventual erro na tipificação do crime não torna a peça acusatória inepta. "O réu defende-se dos fatos objetivamente descritos na denúncia e não da qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público ao fato delituoso", afirmou.
No entendimento da relatora, a denúncia descreve de modo suficiente a existência do crime em tese e também a autoria, com os indícios necessários para iniciar a ação penal. Ela acrescentou que a atual tendência jurisprudencial é de imputar o crime de homicídio a quem passa a direção à pessoa embriagada, pois, mesmo não querendo a morte da vítima, assumiu o risco de produzi-la, configurando o dolo eventual.
Muito interessante e oportuna foi, ainda, a observação da relatora, in verbis: "Ressalto que se deve evitar o entendimento demagógico de que qualquer acidente de trânsito que resulte em morte configura homicídio doloso, dando elasticidade ao conceito de dolo eventual absolutamente contrário à melhor exegese do direito", ponderou.
Louvável, assim, a decisão, pois, com o fluxo de veículos aumentando simetricamente, ao que parece, com a irresponsabilidade de condutores que se mostram progressivamente apáticos e indiferentes para com as mais remotas, fundamentais e singelas regras de segurança, nada mais oportuno do que o poder Judiciário conceder tratamento firme e enérgico para com episódios desvaliosos como o descrito neste redigido.
ROGER SPODE BRUTTI - delegado de Polícia Civil
Jornal Correio do Povo 26/09/2012
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