domingo, 15 de abril de 2012

TITANIC

Crédito: ilustração / cp memória
Os dois primeiros telegramas recebidos pelo Correio do Povo sobre o naufrágio do Titanic procediam, de Nova Iorque, 15 de abril, e do Rio de Janeiro, 16, e foram publicados no dia 17 de abril de 1912. Nos dias seguintes, inúmeros despachos chegavam à Redação do jornal e a cobertura se intensificava na medida em que se tornava conhecida a extensão do desastre. Relatos de sobreviventes, entre os quais os reproduzidos a seguir, se multiplicavam.


Depoimentos


Crédito: ilustração / cp memória
Nova York, 19 - Beeskey, um sobrevivente do naufragio do Titanic narra o facto pela seguinte forma: "O tempo era calmo, o ceu estrellado e o frio intenso. Ás 10 e 15 da noite ouvi um barulho forte, um ranger, e depois, um ligeiro choque, tão breve que nenhum alarme produziu. As machinas pararam. Immediatamente, subi ao convez, afim de indagar sobre a parada subita do vapor. No fumoir, alguns passageiros jogavam e conversavam tranquilamente. Voltei então para o meu camarote. Mas novos ruidos e movimento de gente fizeram-me subir outra vez ao convez. Momentos depois ouvi que se dava ordem para os passageiros collocarem os cintos de salvação. Todos pensavam que se tratava de ume medida de precaução e prudencia, não havendo terror. A gravidade do perigo só foi compreendida, quando os officiaes ordenavam que os homens recuassem e as mulheres avançassem. A ordem foi obedecida com calma e silencio. As mulheres desceram nos botes, excepto aquellas que quizeram ficar ao lado dos maridos. Com tudo, muitas dellas foram arrancadas dos braços dos esposos.

O commandante do Titanic ordenou que os barcos fizessem a volta do navio, afim de o seguirem em forma de comboio. Foi impossivel cumprir essa ordem, pois o vapor afundava rapidamente. Depois deu-se a ordem para que todas as mulheres fossem collocadas nas chalupas. Em seguida começaram a sair os homens. A conselho de um marinheiro, saltei para dentro de um bote. Compreendi, logo, o perigo, pelos redemoinhos que, ao afundar, o navio produzia. Duas mulheres foram attiradas para dentro do barco em que eu estava, assim como uma creancinha de 2 mezes de idade. Passamos por um momento de terror, pois não tinhamos nenhum official nem marinheiro. Eramos em numero de 60 no bote, que continuava preso aos turcos e fluctuava perto do Titanic. Por fim, seguiu paralellamente ao paquete, sempre preso ás cordas. Logo vimos outro bote, o numero 14, e que tinha sido arriado sobre o nosso, com rapidez, ameaçando nos submergir. Gritamos que parassem; gritaram tambem do bote numero 14. Em vista do barulho que faziam as aguas, era impossivel ouvir o que se dizia. A principio a distancia entre os dois botes era de 60 pés. Mas o de numero 14 descia sempre. A distancia já era de 15 pés, depois de 10 e depois de 5. Um foguista, utilizando-se de uma faca, com dois golpes seccos e rapidos, cortou as cordas do nosso bote, e vagamos livremente. O de numero 14 caiu justamente no logar em que tinhamos estado. Passamos a discutir sobre o rumo a que deviamos seguir. Resolvemos nomear o foguista capitão do nosso barco, e seguimos sob suas ordens. Approximamo-nos dos outros barcos e assim navegamos durante uma hora. Pela madrugada, o ceu estava claro e o mar estava calmo como um lago. Era um tempo ideal, porem fazia muito frio. Mesmo visto de longe o Titanic parecia enorme; os salões illuminados brilhavam ainda. Ás 2 horas da madrugada vimos afundar-se rapidamente o monstruoso transatlantico e desaparecer devido á sua posição vertical. As machinas desprenderam um fragor, que poderia ser ouvido a muitos kilometros de distancia. O Titanic esteve naquella posição durante 5 minutos. Logo depois foi mergulhando obliquamente. Então ouvimos o grito mais horrivel que ouvidos humanos tenham percebido. O grito que ecoou á face do mar, era formado por centenas de brados de soccorro e de terror de centenas de individuos que lutavam com a agua gelada. Desejavamos salvar alguns que nadavam perto de nós, mas fariamos virar o bote, si quizessemos recebel-os".

E, assim terminou Beeskey a narrativa das scenas lancinantes.

Correio do Povo, 20/04/ 1912 xxx

New York, 20 - A senhorita Duffgordon, uma das sobreviventes, fez tambem uma longa descripção do naufragio. Referiu ella que estava no seu camarote quando foi avisada do que se passava. Horrorisada, subiu á coberta do navio. Neste já havia poucas das embarcações de soccorro vendo-se, porém, no mar, muitas dellas todas abarrotadas de gente. Ao mesmo tempo, todos queriam precipitar-se nos escaleres restantes, só sendo contidos deante dos revólveres dos officiaes, que assim dominavam a desesperada balburdia reinante. A senhorita Duffgordon ficou petrificada. De repente, porém, sentiu-se agarrada e logo precipitada dentro de uma embarcação que foi arriada. Quando o escaler tocou a agua e já se afastava do navio, ella olhou para cima e viu sobre o tombadilho do Titanic, um individuo que formava o pulo para se atirar dentro da embarcação de soccorro. Neste momento, resoou um tiro: o individuo vacilou e, em seguida, o seu corpo se pricipitou no espaço, indo cair no bote, ao lado da senhorita Duffgordon. Estava morto: a bala o attingiu na nuca. O cadaver ficou ali, até que se fez o transbordo dos naufragos.

A medida em que se afastavam e em que ela olhava em torno de si, era horrendo o espetaculo que se apresentava aos olhos: por toda parte, cadaveres boiando ou passageiros que se atiravam ao mar e morriam pouco depois, em luta com a agua terrivelmente fria.

A embarcação que conduzia a senhorita Duffgordon foi recolhida pelo vapor Carpathia.

Correio do Povo, 23/4/1912

A grafia de época está preservada nos textos acima

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