Um ato em frente à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), na tarde desta quinta-feira (4), exigiu a realização de uma audiência pública em Porto Alegre sobre o projeto Mina Guaíba, da Copelmi Mineração. A manifestação, organizada pelo Comitê de Combate à Mega mineração no RS, que representa entidades ambientais, sindicais, associativas e movimentos sociais, chamou atenção para os riscos que representa a instalação de uma mina de carvão em uma área de 5 mil hectares nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas. Atualmente, o projeto está em processo de licenciamento junto à Fepam.
De acordo com Heverton Lacerda, um dos coordenadores do Comitê, é importante que a população de Porto Alegre também participe do debate sobre a instalação da Mina Guaíba. “É uma das cidades que pode ser impactada caso aconteça algum problema com a mina Guaíba. Temos em mente algumas catástrofes que já aconteceram no Brasil, como Mariana e Brumadinho, então, a população tem direito de debater e tomar conhecimento de algo que pode ser tão ou mais perigoso que essas catástrofes”, afirma.
Fonte: Sul21 /Annie Castro
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sábado, 6 de julho de 2019
sexta-feira, 5 de julho de 2019
MEC diz que Enem digital poderá ter vídeos e games
A versão digital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vai possibilitar novos tipos de questão na prova, utilizando vídeos, infográficos e até mesmo poderá seguir a lógica dos games.
O anúncio da prova por computador foi feito hoje (3) pelo Ministério da Educação (MEC), em Brasília. O exame terá uma versão piloto optativa em 2020, para 50 mil candidatos.
A partir de 2026, todos os estudantes farão a prova exclusivamente por meios digitais. Segundo o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a digitalização vai ao encontro do que está sendo feito no restante do mundo, além de possibilitar economia com a impressão de provas.
A digitalização do Enem não é ideia nova, mas esta é a primeira vez que o exame feito por computador valerá pontos e poderá ser usado para acesso ao ensino superior.
Outra vantagem, de acordo com o MEC, é a rapidez na correção.
“Objetivamente, a pessoa pode receber a prova dela no celular já corrigida e verificar se concorda ou se teve algum erro de registro. Vai ter o comprovante em arquivo, tudo certinho”, disse hoje Weintraub. A redação também será feita pelo computador, digitada.
Acesso a computadores
Um desafio será o acesso a computadores e outros meios digitais em um país onde muitas escolas não possuem os equipamentos. De acordo com o Censo Escolar 2018, 38% das escolas públicas têm laboratório de informática e 67%, acesso à internet.
O ministro acredita que até 2026, quando a versão em papel deixará de ser aplicada e a versão digital será a única disponível, a realidade brasileira terá mudado.
Para a aplicação e realização do exame, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) irá contratar um consórcio aplicador e caberá a essa organização providenciar os equipamentos para que os estudantes possam realizar as provas.
Poderão ser usadas as instalações de universidades e de outros locais. O MEC não irá comprar computadores, vai usar a capacidade instalada, de acordo com o presidente do Inep, Alexandre Lopes.
“Isso já acontece hoje. O Enem é aplicado por parcerias que assinamos. A rede municipal e estadual não é suficiente para aplicação em papel. Usamos as universidades e já alugamos espaços. O consórcio será responsável pelas salas com estrutura de aplicação digital”, explicou Lopes.
Novo ensino médio
O formato digital também possibilitará, segundo o Ministério da Educação, a adequação, sem custos adicionais, ao novo ensino médio.
Pelo novo modelo, que ainda está em fase de implementação, os estudantes terão uma formação comum, definida pela Base Nacional Comum Curricular, e poderão, no restante da formação, escolher uma especialização por itinerários formativos. Os itinerários são: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e ensino técnico.
A intenção é que, quando o modelo estiver em prática, o que deverá ocorrer em 2021, o Enem também se adeque, passando a oferecer várias opções de prova para cada itinerário escolhido pelo estudante, além de avaliar a parte comum. A prova digital vai evitar que várias versões diferentes tenham que ser impressas.
Enem 2020 já tem datas definidas
O Enem 2020 já tem data. De acordo com o MEC, o exame será aplicado em dois domingos, nos dias 11 e 18 de outubro no formato digital. O Enem regular, em papel, será aplicado, aos demais estudantes nos dias 1º e 8 de novembro.
Como se trata de projeto-piloto, os estudantes que tiverem algum problema com a prova digital terão direito a refazer o exame na reaplicação, que atualmente é destinada a estudantes que foram prejudicados por questões como falta de energia elétrica, chuvas e outras intercorrências.
O exame será aplicado na versão digital no ano que vem em Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
Fonte: Agência Brasil
quinta-feira, 4 de julho de 2019
Excesso de exercícios leva a alterações negativas em órgãos vitais
A prática de exercícios físicos intensos sem o tempo de recuperação adequado provoca alterações negativas em estruturas vitais do organismo, como coração, fígado e sistema nervoso central, revela pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
Antes, já era sabido que esse tipo de treinamento intenso sem intervalos necessários levava à síndrome do overtraining, desencadeando sintomas como depressão, insônia, irritabilidade, queda na imunidade, perda de apetite e de peso.
O trabalho mostra que os prejuízos vão além da queda do rendimento.
O professor Adelino Sanchez Ramos da Silva, da Escola de Educação Física e Esporte, disse que a síndrome de overtraioning era explicada, até então, pelo fato de que lesões no tecido musculoesquelético causadas pelo exercício excessivo induziriam à liberação na corrente sanguínea de substâncias pró-inflamatórias (proteínas produzidas por células de defesa e conhecidas como citocinas), que desencadeariam os efeitos sistêmicos.
A pesquisa, coordenada por ele, comprovou essa hipótese, formulada há 20 anos, e mostrou que há outras alterações negativas em órgãos vitais.
“O diferencial dos nossos estudos, que vêm sendo desenvolvidos há 10 anos, é que, além dessas alterações, nós verificamos, em estudos com camundongos, que o desequilíbrio entre o excesso de exercício físico e o período destinado à recuperação está associado a uma inflamação em músculos esqueléticos, sangue, hipotálamo, coração e fígado”, explicou Silva.
Subida e descida
Foram feitos testes com camundongos, submetidos a diferentes práticas de overtraining, como corrida no plano, na subida e na descida, durante oito semanas.
Todos os protocolos de exercícios em excesso provocaram prejuízo na sinalização da insulina no tecido musculoesquelético, ou seja, as células musculares ficaram com mais dificuldade de captar a glicose que circula no sangue.
“Essa dificuldade foi compensada tanto pelo coração quanto pelo fígado, que aumentaram os estoques de glicogênio”, disse Silva.
Ele acrescentou que o coração apresentou sinais de fibrose e também sinais moleculares de hipertrofia patológica. O fígado teve aumento da gordura que ocorre, por exemplo, em doenças como diabetes e obesidade.
A inflamação no hipotálamo foi associada à diminuição do apetite e do peso corporal dos camundongos.
“É importante frisar que, após duas semanas de recuperação total, em que os animais não foram submetidos a nenhuma sessão de treinamento, as alterações inflamatórias no músculo esquelético, no soro e no hipotálamo retornaram aos valores normais, no entanto, o desempenho dos animais continuou diminuído”, afirmou.
Segundo o pesquisador, esse resultado sugere que outros mecanismos, além da citocinas pró-inflamatórias, estejam envolvidos na diminuição do desempenho em resposta ao desequilíbrio entre o excesso de exercício físico e o período destinado à recuperação.
“Os próximos passos da nossa pesquisa serão avaliar animais que apresentam deficiência dessa citocinas, que são conhecidos como animais nocaute, para que possamos averiguar qual o real papel dessas citocinas”, afirmou.
Educação física
Silva destacou que o exercício físico - feito de forma regular e moderada e sob orientação de um profissional de educação física - é uma estratégia “não farmacológica extremamente eficiente para a prevenção e tratamento de diversas patologias”.
“Os nossos resultados servem como alerta para os indivíduos que treinam em excesso e não respeitam um período adequado de recuperação.
Esse período varia muito em relação a sessões de treinamento e ao nível inicial de condicionamento do praticante.
De forma geral, nós podemos dizer que um período entre 24 horas e 48 horas é suficiente para a recuperação”, finalizou.
Fonte: Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil
quarta-feira, 3 de julho de 2019
UM ABORTO A CADA QUATRO GRÁVIDAS
A cidade em que o agrotóxico glifosato contamina o leite materno e mata até quem ainda nem nasceu
The Intercept Brasil
Bebê morreu ainda no útero, com 25 semanas
Por Nayara Felizardo, The Intercept Brasil
O FILHO DE MARIA Félix, de 21 anos, resistiu pouco mais de seis meses de gestação. Morreu ainda no ventre, com apenas 322 gramas. A causa do aborto, que aconteceu com 25 semanas de gravidez, foi má formação: o bebê tinha o intestino para fora do abdômen e também problemas no coração. Não é incomum que as mães da região percam seus filhos precocemente. O bebê de Maria, ao que tudo indica, foi mais uma vítima precoce do agrotóxico glifosato, usado em grandes plantações de soja e de milho em Uruçuí, a 459 km de Teresina, no Piauí.
O mesmo veneno que garante a riqueza dos fazendeiros da cidade, no sul do estado, está provocando uma epidemia de intoxicação com reflexo severo em mães e bebês. Estima-se que uma em cada quatro grávidas da cidade tenha sofrido aborto, que 14% dos bebês nasçam com baixo peso (quase do dobro da média nacional) e que 83% das mães tenham o leite materno contaminado. Os dados são de um levantamento do sanitarista Inácio Pereira Lima, que investigou as intoxicações em Uruçuí na sua tese de mestrado em saúde da mulher pela Universidade Federal do Piauí.
Conheci a história de Maria Félix Costa Guimarães na maternidade do hospital regional Tibério Nunes, na cidade de Floriano. É para lá que as mulheres de Uruçuí são encaminhadas quando têm problemas na gravidez. Nos primeiros exames, feitos em julho, já havia sido identificada a má-formação no feto. Em setembro, no leito do hospital, encontrei a jovem, que lia a Bíblia e se recusava a comer. Carregava um olhar entristecido, meio envergonhado. Ela tinha sofrido o aborto no dia anterior e aguardava o médico para fazer uma ultrassom e se certificar de que não seria necessária a curetagem (cirurgia para retirada de restos da placenta).
Laudo do ultrassom que constatou a morte do bebê. ‘A principal consequência é a atrofia de alguns órgãos’, diz o médico.
Maria não tinha condições emocionais para conversar, por isso falei com a sua tia, a funcionária pública Graça Barros Guimarães. Ela não sabia sobre a pesquisa realizada em Uruçuí, mas acredita nos resultados apontados por Lima. “Se a gente for avaliar, o agrotóxico causa problema respiratório e de alergia. Então é claro que se a mulher tiver grávida, o bebê pode se contaminar também”.
Graça me contou que a sobrinha sempre esteve rodeada de fazendas de soja. A casa onde vive, em Uruçuí, fica a cerca de 15 km de uma plantação. Antes, ela morava na zona rural do município de Mirador, no Maranhão, onde também há plantio de soja. “Os fazendeiros tomaram conta de tudo.”
Em meados de agosto estive em Uruçuí para conversar com profissionais da saúde e com os trabalhadores agrícolas. Eu queria entender como viviam as pessoas no município contaminado pelo glifosato, e se elas tinham noção de que o problema existe. Também liguei para o pesquisador Inácio Pereira Lima, que culpa o agronegócio pelo adoecimento das pessoas. “Tudo isso é consequência do modelo de desenvolvimento econômico em que só o lucro está em foco, independente das consequências negativas para a população”, ele me disse.
Epidemia de glifosato
O glifosato é o agrotóxico mais usado no Brasil. É vendido principalmente pela Monsanto, da Bayer, com o nome comercial de Roundup. Seus impactos na saúde humana são tão conhecidos que o Ministério Público pediu que sua comercialização fosse suspensa no Brasil até que a Anvisa fizesse sua reavaliação toxicológica. Em agosto, a justiça aceitou e o glifosfato foi proibido. A suspensão foi classificada como um “desastre” pelo então ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e foi duramente combatida por ruralistas e pela indústria.
A decisão, no entanto, foi derrubada pela justiça em segunda instância poucas semanas depois. Maggi – que também é conhecido como “rei da soja” – não escondeu o seu entusiasmo com a liberação do agrotóxico:
A Monsanto diz que o produto é seguro, mas e-mails da empresa divulgados no ano passado mostram que ela pressionou cientistas e órgãos de controle nos EUA para afirmarem que o glifosato não causa câncer. Isso não impediu a Monsanto de ser condenada a pagar mais de R$ 1 bilhão a um homem que está morrendo de câncer nos Estados Unidos. Cerca de 4 mil ações parecidas estão em curso naquele país.
O produto representa quase a metade de todos os agrotóxicos comercializados no Piauí. O pesquisador Lima explicou que a presença da substância no leite materno indica a contaminação direta ou que as quantidades utilizadas na atividade agrícola da região são tão elevadas, que o excesso não foi degradado pelo metabolismo da planta. As mulheres estudadas por ele sequer trabalham nas lavouras: elas estão intoxicadas porque fazem limpeza, cozinham nas fazendas ou porque comeram o herbicida nos alimentos. Lima, em sua tese, explica que o organismo é contaminado pela pele e vias respiratória e oral.
Mulheres, as maiores vítimas
Pelos registros do hospital regional de Uruçuí, os abortos ocorrem geralmente em mulheres entre 20 e 30 anos, que chegam até a 10ª semana de gestação. O número elevado de casos é citado por Iraídes Maria Saraiva, enfermeira plantonista. “São muitas as mulheres que chegam com sangramento ou já com o ultrassom mostrando que o feto não tem batimentos cardíacos. A maioria desses abortos são espontâneos”, me disse.
Muitas mulheres têm a gravidez interrompida logo nas primeiras semanas. Sem saber que estão grávidas, elas seguem trabalhando cercadas pelo glifosato. Quando descobrem, já não há mais o que fazer. “Dificilmente é a primeira gravidez e elas não têm doenças pré-existentes. Quer dizer, são mulheres jovens que aparentam ser saudáveis”, observou a enfermeira.
Há ainda as que sabem que estão esperando um filho mas não podem deixar o trabalho, simplesmente porque dependem do salário. As que passam da fase mais crítica e levam a gravidez até o fim correm alto risco de ter má formação do feto.
Na maternidade de Floriano, o coordenador do setor de obstetrícia Luiz Rosendo Alves da Silva já viu muitos casos de aborto e de má-formação. Ele acredita na culpa dos agrotóxicos. “É uma contaminação lenta, gradual e diária. A principal consequência é a atrofia de alguns órgãos, principalmente coração e pulmão”.
Alanne Pinheiro, enfermeira do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), observa que as mulheres estão expostas aos agrotóxicos de forma mais perigosa do que os homens que trabalham diretamente na aplicação do veneno. “Elas ficam na cozinha ou fazem a limpeza das fazendas e acabam inalando o agrotóxico de forma indireta. Como não usam roupas especiais, sofrem mais o efeito da intoxicação passiva.”
PIB alto, salário baixo
A cidade de 21 mil habitantes tem as características comuns do interior, onde a vida acontece sossegada e todo mundo se conhece. Quase um terço da população vive na zona rural. No percurso de 40 km do centro até o Assentamento Flores – onde moram muitos dos trabalhadores com quem eu pretendia conversar – quase não há árvores, exceto em pontos isolados ao redor da casa grande, a sede da fazenda. A sensação é de um enorme deserto e uma riqueza distribuída entre poucos.
Uruçuí não é um município pobre. O PIB per capita, de R$ 49 mil, era o 2º maior do Piauí em 2015, último ano da pesquisa do IBGE. Perdia apenas para a cidade vizinha, a também agrícola Baixa Grande do Ribeiro. Mas na prática, o salário dos trabalhadores é de R$ 1.900 por mês, em média.
Quem enriquece de verdade são os fazendeiros. A maioria deles saiu do sul do Brasil para o cerrado piauiense em busca de terras e do clima ideal para o plantio de suas lavouras. Outros ocupam ou já ocuparam cargos na política como deputados ou vereadores. É o caso do ex-deputado estadual Leal Júnior, eleito três vezes para o mesmo cargo, e da vereadora de Uruçuí Tânia Fianco.
‘Não fale com eles’
Joana* trabalhou como cozinheira na Fazenda Serra Branca há sete anos. Ela conta que o cheiro do agrotóxico chega até as trabalhadoras, mesmo quando elas não estão nos locais onde o veneno é aplicado. “Dependendo da posição do vento, a gente sentia. E se tivesse aplicando com o avião, era mais forte. Às vezes eu chegava em casa com dor de cabeça e sabia que era do veneno”, lembra ela, que prefere não se identificar. “Sabe como é, né? A gente depende das fazendas”, conforma-se. O marido ainda trabalha no agronegócio.
Se os males causados pelos agrotóxicos se limitassem às mães e aos seus bebês, o problema já seria grave o bastante, mas o sanitarista Inácio Pereira Lima faz um alerta. “Como minha pesquisa foi voltada para a mulher, coletei amostras biológicas exclusivas; por isso foi o leite. Mas, se a pesquisa fosse da população em geral, poderia optar por outro tipo de amostra como sangue ou urina. E talvez chegasse a esses mesmos resultados. Ou seja, toda a população está sob risco, e não só as mães que amamentam”, me explicou o pesquisador.
Ouvi de muitas pessoas da cidade que alguns fazendeiros não são simpáticos com quem os contraria. O conselho que todo mundo me deu foi: “Não fale com eles”. As fazendas têm seguranças armados.
Decidi ir ao escritório da Fazenda Canel, administrada pelas famílias Bortolozzo e Segnini, originárias de Araraquara, no interior de São Paulo. Eles se instalaram no Piauí há 30 anos e são os pioneiros no plantio de soja no estado. Eu queria entender a posição deles. Todos se negaram a conversar comigo. Funcionários justificaram que os responsáveis estavam “viajando para o exterior”.
Mais medo de demissão do que de doença
Na cidade onde quase todo mundo se conhece, o mesmo segredo é compartilhado. Ninguém fala para os profissionais de saúde quando sente os efeitos do agrotóxico no organismo, e dificilmente o hospital é procurado. Se a intoxicação for mais grave, os trabalhadores escondem dos médicos sua possível causa. É muito difícil detectar laboratorialmente doenças causadas por agrotóxico. Se o paciente não fala, muitas internações provocadas pelos químicos não caem na conta deles.
A enfermeira Alanne Pinheiro me disse que as pessoas têm medo de perder o emprego. “Se eles disserem que estão doentes por causa dos agrotóxicos, aquilo pode repercutir na cidade e ficar mal pro fazendeiro. Os trabalhadores têm mais medo de demissão do que de uma doença.”
‘Quando a gente começa a investigar, eles não falam tudo.’
Há ainda a falta de conhecimento sobre os riscos dos agrotóxicos. “Eles nem acreditam que possa acontecer algum problema grave porque os danos só aparecem a longo prazo. Não existe a percepção de que os males se acumulam e podem trazer doenças irreversíveis, como um câncer que já se descobre em metástase”, diz Alanne.
Um possível exemplo é João*, marido de Helena*. Conversei com ela porque João sai cedo para a Fazenda Nova Aliança e só chega à noite. Este ano, o trabalhador teve uma alergia nos braços, mas decidiu tratar em casa. Sem avaliação médica e sem exames, João se auto-medicou. “Acho que não foi agrotóxico, porque ele é pedreiro e não mexe com veneno. Deve ter sido por causa do cimento”, opina a mulher.
É comum que os moradores atribuam os sintomas da intoxicação a outras causas. “Os pacientes chegam com queixas vagas, como ardência nos olhos. Mas, quando a gente começa a investigar, eles não falam tudo”, comenta a enfermeira Iraídes. Nas raras vezes em que vão ao hospital, são levados por algum funcionário da fazenda. Com essa vigília, o medo de perder o emprego é maior e a saúde fica em segundo plano.
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador está tentando evitar o alto índice de subnotificação: eles treinam os enfermeiros e médicos para que notifiquem os casos de intoxicação quando perceberem os sintomas, independente do que afirmam os pacientes.
Tecnologia para o lucro
Geivan Borges da Silva é técnico em agropecuária e presta assessoria para muitos fazendeiros de Uruçuí. Ele defende que o uso de sementes transgênicas reduz a necessidade de agrotóxicos. “Quase 100% das áreas plantadas aqui são de variedades transgênicas, resistentes a muitos tipos de praga e ervas daninhas”, ameniza.
Na verdade, as provas científicas dizem o contrário. O dossiê sobre agrotóxicos da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, mostra que o uso de transgênicos aumentou a necessidade de defensivos agrícolas. É só olhar para a soja, campeã no uso de agrotóxicos: 93% da safra é transgênica, e a quantidade de litros de produtos químicos aumentou mesmo assim.
Na região sul do Piauí, as sementes de milho, soja e algodão também são vendidas pela Monsanto, a mesma que fornece o glifosato, de acordo com o cadastro de junho de 2018 da Agência de Defesa Agropecuária do Piauí, a Adapi.
Outra tecnologia defendida por Silva é a que minimiza a disseminação do agrotóxico no ar: usa-se um produto que aumenta o peso da gota, fazendo com que ela desça diretamente na planta e não disperse com o vento. “Tudo é agricultura de precisão para reduzir os custos”, argumenta.
É certo que essas tecnologias otimizam a produção agrícola, mas elas foram incapazes de evitar a intoxicação de Emanuel*, que trabalha como operador de máquina de aplicação de agrotóxico na Fazenda Condomínio União 2000.
Após um ano trabalhando, Emanuel sentiu tontura, fraqueza, ardência nos olhos e chegou a vomitar. Quem conta essa história é a esposa dele, Rosa*. “Nós fomos pro hospital e quando saiu o resultado do exame, deu que tinha agrotóxico no sangue. A médica passou remédio, mandou ele se afastar do trabalho por um tempo e tomar muito leite”.
Emanuel melhorou, mas há três anos voltou para o mesmo ofício. “Ele já me disse que só fica até o final desse ano. Não vale a pena perder a saúde por causa de dois mil por mês”, diz Rosa. Eram 18h quando me despedi. O marido dela ainda não tinha chegado. Ele trabalha para a vereadora Tânia Fianco, do PSDB.
No Brasil, o Projeto de Lei conhecido como PL do Veneno pretende liberar mais rapidamente vários produtos, entre eles muitos que são à base de glifosato. O lobby da indústria é pesado, e ataca sobretudo a Anvisa, agência reguladora suscetível a todo tipo de pressão e que já mostrou que está disposta a fazer o jogo das grandes corporações.
*Os nomes dos trabalhadores foram alterados para preservar suas identidades.
The Intercept Brasil
Bebê morreu ainda no útero, com 25 semanas
Por Nayara Felizardo, The Intercept Brasil
O FILHO DE MARIA Félix, de 21 anos, resistiu pouco mais de seis meses de gestação. Morreu ainda no ventre, com apenas 322 gramas. A causa do aborto, que aconteceu com 25 semanas de gravidez, foi má formação: o bebê tinha o intestino para fora do abdômen e também problemas no coração. Não é incomum que as mães da região percam seus filhos precocemente. O bebê de Maria, ao que tudo indica, foi mais uma vítima precoce do agrotóxico glifosato, usado em grandes plantações de soja e de milho em Uruçuí, a 459 km de Teresina, no Piauí.
O mesmo veneno que garante a riqueza dos fazendeiros da cidade, no sul do estado, está provocando uma epidemia de intoxicação com reflexo severo em mães e bebês. Estima-se que uma em cada quatro grávidas da cidade tenha sofrido aborto, que 14% dos bebês nasçam com baixo peso (quase do dobro da média nacional) e que 83% das mães tenham o leite materno contaminado. Os dados são de um levantamento do sanitarista Inácio Pereira Lima, que investigou as intoxicações em Uruçuí na sua tese de mestrado em saúde da mulher pela Universidade Federal do Piauí.
Conheci a história de Maria Félix Costa Guimarães na maternidade do hospital regional Tibério Nunes, na cidade de Floriano. É para lá que as mulheres de Uruçuí são encaminhadas quando têm problemas na gravidez. Nos primeiros exames, feitos em julho, já havia sido identificada a má-formação no feto. Em setembro, no leito do hospital, encontrei a jovem, que lia a Bíblia e se recusava a comer. Carregava um olhar entristecido, meio envergonhado. Ela tinha sofrido o aborto no dia anterior e aguardava o médico para fazer uma ultrassom e se certificar de que não seria necessária a curetagem (cirurgia para retirada de restos da placenta).
Laudo do ultrassom que constatou a morte do bebê. ‘A principal consequência é a atrofia de alguns órgãos’, diz o médico.
Maria não tinha condições emocionais para conversar, por isso falei com a sua tia, a funcionária pública Graça Barros Guimarães. Ela não sabia sobre a pesquisa realizada em Uruçuí, mas acredita nos resultados apontados por Lima. “Se a gente for avaliar, o agrotóxico causa problema respiratório e de alergia. Então é claro que se a mulher tiver grávida, o bebê pode se contaminar também”.
Graça me contou que a sobrinha sempre esteve rodeada de fazendas de soja. A casa onde vive, em Uruçuí, fica a cerca de 15 km de uma plantação. Antes, ela morava na zona rural do município de Mirador, no Maranhão, onde também há plantio de soja. “Os fazendeiros tomaram conta de tudo.”
Em meados de agosto estive em Uruçuí para conversar com profissionais da saúde e com os trabalhadores agrícolas. Eu queria entender como viviam as pessoas no município contaminado pelo glifosato, e se elas tinham noção de que o problema existe. Também liguei para o pesquisador Inácio Pereira Lima, que culpa o agronegócio pelo adoecimento das pessoas. “Tudo isso é consequência do modelo de desenvolvimento econômico em que só o lucro está em foco, independente das consequências negativas para a população”, ele me disse.
Epidemia de glifosato
O glifosato é o agrotóxico mais usado no Brasil. É vendido principalmente pela Monsanto, da Bayer, com o nome comercial de Roundup. Seus impactos na saúde humana são tão conhecidos que o Ministério Público pediu que sua comercialização fosse suspensa no Brasil até que a Anvisa fizesse sua reavaliação toxicológica. Em agosto, a justiça aceitou e o glifosfato foi proibido. A suspensão foi classificada como um “desastre” pelo então ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e foi duramente combatida por ruralistas e pela indústria.
A decisão, no entanto, foi derrubada pela justiça em segunda instância poucas semanas depois. Maggi – que também é conhecido como “rei da soja” – não escondeu o seu entusiasmo com a liberação do agrotóxico:
A Monsanto diz que o produto é seguro, mas e-mails da empresa divulgados no ano passado mostram que ela pressionou cientistas e órgãos de controle nos EUA para afirmarem que o glifosato não causa câncer. Isso não impediu a Monsanto de ser condenada a pagar mais de R$ 1 bilhão a um homem que está morrendo de câncer nos Estados Unidos. Cerca de 4 mil ações parecidas estão em curso naquele país.
O produto representa quase a metade de todos os agrotóxicos comercializados no Piauí. O pesquisador Lima explicou que a presença da substância no leite materno indica a contaminação direta ou que as quantidades utilizadas na atividade agrícola da região são tão elevadas, que o excesso não foi degradado pelo metabolismo da planta. As mulheres estudadas por ele sequer trabalham nas lavouras: elas estão intoxicadas porque fazem limpeza, cozinham nas fazendas ou porque comeram o herbicida nos alimentos. Lima, em sua tese, explica que o organismo é contaminado pela pele e vias respiratória e oral.
Mulheres, as maiores vítimas
Pelos registros do hospital regional de Uruçuí, os abortos ocorrem geralmente em mulheres entre 20 e 30 anos, que chegam até a 10ª semana de gestação. O número elevado de casos é citado por Iraídes Maria Saraiva, enfermeira plantonista. “São muitas as mulheres que chegam com sangramento ou já com o ultrassom mostrando que o feto não tem batimentos cardíacos. A maioria desses abortos são espontâneos”, me disse.
Muitas mulheres têm a gravidez interrompida logo nas primeiras semanas. Sem saber que estão grávidas, elas seguem trabalhando cercadas pelo glifosato. Quando descobrem, já não há mais o que fazer. “Dificilmente é a primeira gravidez e elas não têm doenças pré-existentes. Quer dizer, são mulheres jovens que aparentam ser saudáveis”, observou a enfermeira.
Há ainda as que sabem que estão esperando um filho mas não podem deixar o trabalho, simplesmente porque dependem do salário. As que passam da fase mais crítica e levam a gravidez até o fim correm alto risco de ter má formação do feto.
Na maternidade de Floriano, o coordenador do setor de obstetrícia Luiz Rosendo Alves da Silva já viu muitos casos de aborto e de má-formação. Ele acredita na culpa dos agrotóxicos. “É uma contaminação lenta, gradual e diária. A principal consequência é a atrofia de alguns órgãos, principalmente coração e pulmão”.
Alanne Pinheiro, enfermeira do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), observa que as mulheres estão expostas aos agrotóxicos de forma mais perigosa do que os homens que trabalham diretamente na aplicação do veneno. “Elas ficam na cozinha ou fazem a limpeza das fazendas e acabam inalando o agrotóxico de forma indireta. Como não usam roupas especiais, sofrem mais o efeito da intoxicação passiva.”
PIB alto, salário baixo
A cidade de 21 mil habitantes tem as características comuns do interior, onde a vida acontece sossegada e todo mundo se conhece. Quase um terço da população vive na zona rural. No percurso de 40 km do centro até o Assentamento Flores – onde moram muitos dos trabalhadores com quem eu pretendia conversar – quase não há árvores, exceto em pontos isolados ao redor da casa grande, a sede da fazenda. A sensação é de um enorme deserto e uma riqueza distribuída entre poucos.
Uruçuí não é um município pobre. O PIB per capita, de R$ 49 mil, era o 2º maior do Piauí em 2015, último ano da pesquisa do IBGE. Perdia apenas para a cidade vizinha, a também agrícola Baixa Grande do Ribeiro. Mas na prática, o salário dos trabalhadores é de R$ 1.900 por mês, em média.
Quem enriquece de verdade são os fazendeiros. A maioria deles saiu do sul do Brasil para o cerrado piauiense em busca de terras e do clima ideal para o plantio de suas lavouras. Outros ocupam ou já ocuparam cargos na política como deputados ou vereadores. É o caso do ex-deputado estadual Leal Júnior, eleito três vezes para o mesmo cargo, e da vereadora de Uruçuí Tânia Fianco.
‘Não fale com eles’
Joana* trabalhou como cozinheira na Fazenda Serra Branca há sete anos. Ela conta que o cheiro do agrotóxico chega até as trabalhadoras, mesmo quando elas não estão nos locais onde o veneno é aplicado. “Dependendo da posição do vento, a gente sentia. E se tivesse aplicando com o avião, era mais forte. Às vezes eu chegava em casa com dor de cabeça e sabia que era do veneno”, lembra ela, que prefere não se identificar. “Sabe como é, né? A gente depende das fazendas”, conforma-se. O marido ainda trabalha no agronegócio.
Se os males causados pelos agrotóxicos se limitassem às mães e aos seus bebês, o problema já seria grave o bastante, mas o sanitarista Inácio Pereira Lima faz um alerta. “Como minha pesquisa foi voltada para a mulher, coletei amostras biológicas exclusivas; por isso foi o leite. Mas, se a pesquisa fosse da população em geral, poderia optar por outro tipo de amostra como sangue ou urina. E talvez chegasse a esses mesmos resultados. Ou seja, toda a população está sob risco, e não só as mães que amamentam”, me explicou o pesquisador.
Ouvi de muitas pessoas da cidade que alguns fazendeiros não são simpáticos com quem os contraria. O conselho que todo mundo me deu foi: “Não fale com eles”. As fazendas têm seguranças armados.
Decidi ir ao escritório da Fazenda Canel, administrada pelas famílias Bortolozzo e Segnini, originárias de Araraquara, no interior de São Paulo. Eles se instalaram no Piauí há 30 anos e são os pioneiros no plantio de soja no estado. Eu queria entender a posição deles. Todos se negaram a conversar comigo. Funcionários justificaram que os responsáveis estavam “viajando para o exterior”.
Mais medo de demissão do que de doença
Na cidade onde quase todo mundo se conhece, o mesmo segredo é compartilhado. Ninguém fala para os profissionais de saúde quando sente os efeitos do agrotóxico no organismo, e dificilmente o hospital é procurado. Se a intoxicação for mais grave, os trabalhadores escondem dos médicos sua possível causa. É muito difícil detectar laboratorialmente doenças causadas por agrotóxico. Se o paciente não fala, muitas internações provocadas pelos químicos não caem na conta deles.
A enfermeira Alanne Pinheiro me disse que as pessoas têm medo de perder o emprego. “Se eles disserem que estão doentes por causa dos agrotóxicos, aquilo pode repercutir na cidade e ficar mal pro fazendeiro. Os trabalhadores têm mais medo de demissão do que de uma doença.”
‘Quando a gente começa a investigar, eles não falam tudo.’
Há ainda a falta de conhecimento sobre os riscos dos agrotóxicos. “Eles nem acreditam que possa acontecer algum problema grave porque os danos só aparecem a longo prazo. Não existe a percepção de que os males se acumulam e podem trazer doenças irreversíveis, como um câncer que já se descobre em metástase”, diz Alanne.
Um possível exemplo é João*, marido de Helena*. Conversei com ela porque João sai cedo para a Fazenda Nova Aliança e só chega à noite. Este ano, o trabalhador teve uma alergia nos braços, mas decidiu tratar em casa. Sem avaliação médica e sem exames, João se auto-medicou. “Acho que não foi agrotóxico, porque ele é pedreiro e não mexe com veneno. Deve ter sido por causa do cimento”, opina a mulher.
É comum que os moradores atribuam os sintomas da intoxicação a outras causas. “Os pacientes chegam com queixas vagas, como ardência nos olhos. Mas, quando a gente começa a investigar, eles não falam tudo”, comenta a enfermeira Iraídes. Nas raras vezes em que vão ao hospital, são levados por algum funcionário da fazenda. Com essa vigília, o medo de perder o emprego é maior e a saúde fica em segundo plano.
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador está tentando evitar o alto índice de subnotificação: eles treinam os enfermeiros e médicos para que notifiquem os casos de intoxicação quando perceberem os sintomas, independente do que afirmam os pacientes.
Tecnologia para o lucro
Geivan Borges da Silva é técnico em agropecuária e presta assessoria para muitos fazendeiros de Uruçuí. Ele defende que o uso de sementes transgênicas reduz a necessidade de agrotóxicos. “Quase 100% das áreas plantadas aqui são de variedades transgênicas, resistentes a muitos tipos de praga e ervas daninhas”, ameniza.
Na verdade, as provas científicas dizem o contrário. O dossiê sobre agrotóxicos da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, mostra que o uso de transgênicos aumentou a necessidade de defensivos agrícolas. É só olhar para a soja, campeã no uso de agrotóxicos: 93% da safra é transgênica, e a quantidade de litros de produtos químicos aumentou mesmo assim.
Na região sul do Piauí, as sementes de milho, soja e algodão também são vendidas pela Monsanto, a mesma que fornece o glifosato, de acordo com o cadastro de junho de 2018 da Agência de Defesa Agropecuária do Piauí, a Adapi.
Outra tecnologia defendida por Silva é a que minimiza a disseminação do agrotóxico no ar: usa-se um produto que aumenta o peso da gota, fazendo com que ela desça diretamente na planta e não disperse com o vento. “Tudo é agricultura de precisão para reduzir os custos”, argumenta.
É certo que essas tecnologias otimizam a produção agrícola, mas elas foram incapazes de evitar a intoxicação de Emanuel*, que trabalha como operador de máquina de aplicação de agrotóxico na Fazenda Condomínio União 2000.
Após um ano trabalhando, Emanuel sentiu tontura, fraqueza, ardência nos olhos e chegou a vomitar. Quem conta essa história é a esposa dele, Rosa*. “Nós fomos pro hospital e quando saiu o resultado do exame, deu que tinha agrotóxico no sangue. A médica passou remédio, mandou ele se afastar do trabalho por um tempo e tomar muito leite”.
Emanuel melhorou, mas há três anos voltou para o mesmo ofício. “Ele já me disse que só fica até o final desse ano. Não vale a pena perder a saúde por causa de dois mil por mês”, diz Rosa. Eram 18h quando me despedi. O marido dela ainda não tinha chegado. Ele trabalha para a vereadora Tânia Fianco, do PSDB.
No Brasil, o Projeto de Lei conhecido como PL do Veneno pretende liberar mais rapidamente vários produtos, entre eles muitos que são à base de glifosato. O lobby da indústria é pesado, e ataca sobretudo a Anvisa, agência reguladora suscetível a todo tipo de pressão e que já mostrou que está disposta a fazer o jogo das grandes corporações.
*Os nomes dos trabalhadores foram alterados para preservar suas identidades.
Fonte:The Intercept Brasil / EcoAgência
terça-feira, 2 de julho de 2019
Pacientes estão demandando uso medicinal da cannabis, dizem médicos
Pacientes com diversos diagnósticos que não estão obtendo avanços com tratamentos tradicionais se interessam, cada vez mais, pelo uso medicinal da maconha. Essa percepção é compartilhada por diversos médicos reunidos neste fim de semana, no Rio de Janeiro, para a segunda edição do Seminário Internacional "Cannabis Medicinal, um Olhar para o Futuro".
Segundo eles, a demanda crescente é influenciada pelos avanços científicos, pela cobertura da mídia e pela possibilidade de liberação do cultivo para fins medicinais, tema de uma consulta pública aberta pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Não há dúvidas de que a demanda continuará crescendo cada vez mais. Precisamos estar preparados para atendê-la", disse o neurologista Eduardo Faveret, diretor do Centro de Epilepsia do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, unidade vinculada ao governo do Rio de Janeiro.
Essa conclusão é compartilhada pelo ortopedista Ricardo Ferreira, especialista no tratamento clínico e cirúrgico de dores crônicas e patologias da coluna vertebral. "Pacientes têm buscado a melhora de sua qualidade de vida e procuram médicos que possam prescrever. Tenho recebido cada vez mais pacientes que já chegam com histórico de dores refratárias à métodos tradicionais, que foram tratados por outros médicos sem sucesso", disse.
Ricardo disse que passou a se interessar pelo uso medicinal da maconha quando estava buscando alternativas para casos em que os remédios disponíveis no mercado se mostravam ineficazes. "Fui vendo que haviam evidências cada vez mais fortes do potencial do uso da cannabis para tratamento das dores crônicas. Em países como a Holanda e o Canadá e em alguns estados do Estados Unidos, já haviam estudos com conclusões nessa direção".
Desde 2015, a Anvisa autoriza a prescrição médica da cannabis. A dificuldade fica por conta da obtenção do produto. Com a comercialização proibida no Brasil, os medicamentos precisam ser importados. De posse da receita médica, o paciente precisa assinar um termo de responsabilidade e aguardar a autorização da Anvisa. A importação por empresas, para distribuição no Brasil, é vetada. A autorização é concedida de forma individual para cada paciente.
A exceção é o Mevatyl, também conhecido como Sativex, que foi aprovado pela Anvisa e chegou nas farmácias do país no ano passado. Ele tem sido indicado, por exemplo, para alguns pacientes com esclerose múltipla, doença na qual ocorre a inflamação e destruição da mielina, camada protetora das células nervosas.
Segundo a Fiocruz, existem hoje no Brasil mais de 8 mil pacientes autorizados a importar remédio à base de cannabis para diversos tipos de doenças. Desde o aval da Anvisa, em 2015, o ortopedista calcula ter prescrito esses medicamentos para mais de 300 pessoas. "Uns 150 seguiram os procedimentos para obter autorização de importação e conseguiram efetivamente o produto. E desses, metade conseguiu alívio significativo da dor e continua utilizando. Hoje faço cerca de 120 consultas semanais. Em 10 delas, em média, eu indico a cannabis. Continuo fazendo cirurgias, continuo prescrevendo remédios tradicionais. A cannabis entra como mais um arsenal terapêutico, sobretudo para os casos que não respondem às terapias tradicionais", disse.
Substâncias
O Seminário Internacional "Cannabis Medicinal, um Olhar para o Futuro", que ocorre até amanhã (30), no Instituto Europeu de Design (IED), é fruto de uma parceria entre a Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) e a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), instituição científica vinculada ao Ministério da Saúde. A iniciativa também conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Além dos médicos e pesquisadores brasileiros, estão reunidos no evento especialistas do Chile, da Espanha, da Argentina, da Colômbia, do Peru e do Panamá. Eles discutem as evidências dos benefícios para pacientes com câncer, epilepsia, dores crônicas, alzheimer, esclerose múltipla, entre outros. Substâncias como o canabidiol e o tetraidrocanabinol (THC) já possuem reconhecidos efeitos ansiolíticos, antidepressivos e anti-inflamatórios.
"Essas são as duas substâncias mais estudadas clinicamente. Mas há outras. Há um arsenal terapêutico de canabinoides e terpenos. E isso varia de planta para planta. Tem cannabis que é rica em canabidiol, outras em THC. A genética da planta interfere no tipo de óleo que ela vai oferecer. Aqui no Brasil, as que se cultivam são geralmente mais ricas em THC. O THC tem várias aplicações terapêuticas. Mas tem que ter um controle da dosagem, acompanhamento, observar a questão de idade", alertou Feveret.
Ele destaca avanços na neurologia e na oncologia. "Já há pesquisas clínicas em fase 2 revelando uma melhora muito grande para pacientes com glioblastoma multiforme, o tipo mais grave do câncer cerebral. A cannabis aumentou bastante a sobrevida média, melhorou a qualidade de vida", disse. O neurologista também cita investigações que apontaram melhores resultados de radioterapia quando o tratamento é associado ao uso da maconha.
As substâncias podem servir de base para pomadas, chás, óleos, manteigas. Fumar também tem efeitos terapêuticos, mas médicos afirmam que o efeito tem menor duração. A forma de uso deve ser definida na prescrição, considerando diversos fatores como o problema a ser tratado, a idade e a condição física do paciente
Cidadania
Pacientes e familiares de pacientes com os mais variados diagnósticos também participam do seminário. "Eles são muito ativos nos eventos científicos, formam associações, acolhem outros pacientes e seus familiares. É um processo em que há muita cidadania envolvida e muita consciência, disse Feveret.
Vendo desde 2013 a cannabis melhorar a qualidade de vida de sua filha com epilepsia, a advogada Margarete Brito é uma das principais mobilizadoras da sociedade civil do Rio de Janeiro em torno do assunto. Coordenadora da Apepi, que organiza o seminário junto com a Fiocruz, ela já ganhou prêmios internacionais e teve sua história relatada no Documentário “Ilegal – A vida não espera”.
"Hoje a possibilidade que tem para os pacientes é basicamente os importados, que acabam tendo alto custo. Um paciente gasta, no mínimo, R$ 1,5 mil por mês. Para conseguir fazer essa importação do remédio, além de ser caro, é muito demorado e burocrático. Mesmo seguindo todo o procedimento, às vezes ainda fica parado na alfândega. Enfim, é muito complicado. Esse é o motivo de estarmos nessa luta", explicou.
Ela acredita que a realidade possa melhorar com uma regulamentação do cultivo para fins medicinais. Alguns pacientes conseguem aval da Justiça para plantar individualmente. Em 2017, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), entidade sediada em João Pessoa, obteve judicialmente o direito de produzir óleos a partir da maconha para tratamento de pacientes associados. É a única entidade no país hoje com autorização para o cultivo coletivo. Há duas semanas, a Apepi moveu uma ação com a expectativa de obter o mesmo direito da Abrace.
Ao mesmo tempo, uma consulta pública da Anvisa sobre o tema está aberta até o dia 19 de agosto e qualquer cidadão ou instituição pode opinar. "Esperamos que essa regulamentação atenda a real demanda dos pacientes. Que não fique apenas na produção empresarial, mas também dê acesso ao cultivo coletivo para que associações possam produzir a planta e seus extratos dentro de critérios de boas práticas tanto agrícolas, como farmacológicas", disse o ortopedista Ricardo Ferreira.
Fonte: Agência Brasil
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