quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Aposta online e jogo de azar custam R$ 38,8 bi ao país, mostra estudo

 
Perdas estão associadas a danos como depressão e desemprego

Jogos de azar e apostas online, popularizadas pelas chamadas bets, provocam perdas econômicas e sociais ao país estimadas em R$ 38,8 bilhões anualmente. Esse valor é o somatório de danos à sociedade, como suicídios, desemprego, gastos com saúde e afastamento do trabalho.

O cálculo é do estudo inédito A saúde dos brasileiros em jogo, divulgado nesta terça-feira (2), que analisa efeitos da expansão das apostas online no Brasil.

Acesse aqui para ver a íntegra da pesquisa.

Para ter uma noção do tamanho da perda, o valor de R$ 38,8 bilhões projetado pela pesquisa representaria expansão de 26% no orçamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida do ano passado, ou 23% a mais no Bolsa Família de 2024.

O estudo é uma parceria de organizações sem fins lucrativos dedicadas à saúde pública: o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e a Umane, e da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM), que reúne quase 200 parlamentares no Congresso Nacional.

Perdas

Os pesquisadores citam que o Brasil teve 17,7 milhões de apostadores em apenas seis meses. Eles também se baseiam em levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para estimar em cerca de 12,8 milhões o número de pessoas em situação de risco com relação a apostas.

Os autores se inspiraram em estudo britânico sobre efeito dos jogos para projetar o tamanho nas perdas diretas e indiretas para o Brasil e chegaram aos seguintes números:

- R$ 17 bilhões por mortes adicionais por suicídio

- R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida com depressão

- R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão

- R$ 2,1 bilhões com seguro-desemprego

- R$ 4,7 bilhões encarceramento por atividade criminal

- R$ 1,3 bilhão diz respeito à perda de moradia

Desse total, 78,8% (R$ 30,6 bilhões) estão associados a custos ligados à saúde.


“Estudos internacionais recentes demonstram a associação entre o transtorno do jogo e o agravamento de quadros de ansiedade, depressão e risco de suicídio”, assinala o documento, que utilizou estimativas de valor monetário para medir as perdas de qualidade e duração de vida.

Os pesquisadores afirmam que o crescimento acelerado do setor de apostas online, favorecido pela tecnologia, falta de regulação, ampla exposição midiática e pela ausência de políticas públicas estruturadas, “já apresenta impactos significativos sobre o endividamento das famílias, o aumento dos casos de transtorno do jogo e o agravamento de quadros de sofrimento mental”.

Retorno insuficiente

De acordo com o Banco Central (BC), os brasileiros destinaram cerca de R$ 240 bilhões às bets em 2024 e os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets, por meio de Pix, em agosto de 2024.

As bets foram legalizadas no Brasil em 2018, regulamentadas apenas em 2023 e só passaram a pagar volume maior de impostos a partir de 2025. Até setembro deste ano, a arrecadação com a atividade chegou a R$ 6,8 bilhões, diz o relatório. No mês seguinte, o acumulado passou para perto de R$ 8 bilhões.

“O contraste entre a arrecadação – ainda que consideremos a projeção anual de R$ 12 bilhões – e o custo anual estimado de R$ 38,8 bilhões revela uma conta que não fecha do ponto de vista do interesse público”, ressalta o texto.

Atualmente as bets são tributadas em 12% sobre a receita bruta. No Senado tramita o Projeto de Lei 5473/2025, que propõe até duplicar a alíquota para 24%. Além disso, os apostadores pagam 15% de Imposto de Renda sobre o prêmio recebido.

Os autores do estudo criticam que, de todo o valor arrecadado com as bets, apenas 1% é direcionado aos cofres do Ministério da Saúde. Até agosto, o montante efetivamente repassado somava R$ 33 milhões.

Eles lembram que essa receita não tem vinculação orçamentária específica com o financiamento de ações no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), ambiente do Sistema Único de Saúde (SUS) que oferece cuidado em saúde mental.

Redução de danos

A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, acredita que sem uma regulação firme, fiscalização rigorosa e responsabilidade das operadoras, aumentam os riscos de endividamento, adoecimento e impactos sobre a saúde mental, especialmente entre grupos mais vulneráveis.

Ela constata que as bets já fazem parte da vida de milhões de brasileiros, por isso a questão central sobre o tema deve ser em torno de garantir proteção à população.

No entanto, completa a diretora, o cenário atual mostra o oposto.

“A prática está sendo incentivada por um lobby comercial poderoso, ainda que às custas da saúde do povo brasileiro”, disse à Agência Brasil.

CPI das Bets

Os danos causados pelas bets chegaram a ser tema de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. A CPI investigou o impacto das apostas online no orçamento das famílias, supostas ligações com crime organizado e atuação de influenciadores que divulgam essas apostas.

No entanto, os parlamentares rejeitaram o relatório final, que pedia o indiciamento de 16 pessoas. Foi a primeira vez, nos últimos dez anos, que uma CPI do Senado teve o relatório rejeitado.

Sem impacto positivo

No campo econômico, o estudo considera que a atividade das bets é “irrisória” em termos de geração de empregos e renda para o trabalhador. Com base em dados oficiais do Ministério do Trabalho, o levantamento aponta que o setor representava 1.144 empregos formais.

Em termos de renda, os pesquisadores estimam que, de cada R$ 291 de receita obtida pelas empresas, apenas R$ 1 se transforma em salário formal.


“Enquanto cada trabalhador formal no setor gera cerca de R$ 3 milhões mensais em receitas para as empresas, ele próprio recebe uma fração mínima (0,34%) desse valor”, citam.

A pesquisa alerta também para a alta informalidade: 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram para a previdência em 2024, enquanto a média da economia brasileira era de 36%, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Modelo britânico

O dossiê A saúde dos brasileiros em jogo apresenta medidas existentes no Reino Unido voltadas à prevenção, ao tratamento e à regulação do setor de apostas:

- Autoexclusão: permite ao usuário bloquear o próprio acesso a todos os sites licenciados no Reino Unido por até cinco anos.

- Restrição à publicidade: permitida, mas altamente regulada. Anúncios não podem sugerir que o jogo é uma solução para problemas financeiros, ser direcionados a menores de idade ou usar influenciadores ou celebridades que tenham apelo junto ao público jovem.

- Destinação da arrecadação para o tratamento de saúde das pessoas afetadas: vale para 50% do que as bets pagam de imposto.

Sugestões para o Brasil

A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, assinala que “uma vez que a proibição ainda não está em pauta”, o instituto sugere cinco caminhos para mitigar os danos das apostas no Brasil:

- Aumentar a parcela da taxação das apostas online destinada à saúde;

- Formar profissionais de saúde no tema para realizar o acolhimento no SUS;

- Proibir propagandas e realizar campanhas nacionais de conscientização;

- Restringir o acesso, principalmente de pessoas com perfil de risco e/ou menores de idade;

- Implementar regras duras para as empresas de apostas, que visem retorno financeiro ao país, inibam a corrupção e possibilitem políticas públicas de monitoramento.


“Se o Estado entende que a legalização é um caminho sem volta, ele precisa mitigar os danos causados pelas empresas de apostas e assegurar mecanismos sólidos de redução de danos”, afirma Rebeca.

Bets contra aumento de imposto

O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade fundada em 2023, representa cerca de 75% do mercado brasileiro e reúne as principais empresas de apostas do país.

No perfil de LinkedIn da instituição, há a reprodução de um conteúdo em que a entidade se manifesta contrária ao aumento de tributação. Para o IBJR, “isso pode acabar fortalecendo o mercado clandestino”.


“A oferta legal limitada, impulsionada pela tributação excessiva, fragiliza o setor. Esse desequilíbrio aumenta o risco de operadores licenciados migrarem para o ambiente ilegal, comprometendo tanto a competitividade do mercado regulado, quanto a arrecadação governamental prevista”, registra.

De acordo com o IBJR, mais de 51% das apostas no âmbito virtual no Brasil operam na clandestinidade.

Fonte: Agência Brasil




segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

OMS estima 35,3 milhões de novos casos de câncer em 2050

diretora da Agência Internacional para Pesquisa de Câncer da OMS, Elisabete Weiderpass 

 São 10 milhões de mortes por ano no mundo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que a incidência de novos casos de câncer no mundo passará de 20 milhões em 2022 para 35,3 milhões em 2050, aumento de 77%. As estimativas globais revelam grande desigualdade da distribuição da doença. Os maiores aumentos são previstos para países de baixa e média renda, despreparados para enfrentar a explosão de casos.

Os dados foram divulgados pela diretora da Agência Internacional para Pesquisa de Câncer da OMS, Elisabete Weiderpass (foto), no seminário Controle do Câncer no século XXI: desafios globais e soluções locais, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) nesta quinta-feira (27) no Rio de Janeiro. O evento marca o Dia Nacional de Combate ao Câncer, celebrado hoje.


"São 10 milhões de mortes por câncer no mundo por ano. O câncer de pulmão foi o mais diagnosticado representando 2,5 milhões de novos casos, ou um câncer em cada oito, seguido pelo câncer de mama e colorretal. O câncer de pulmão é a principal causa de mortalidade no mundo representando 1,8 milhão de mortes", disse Elisabete.

Doença global

Segundo a diretora, o câncer é uma doença global, mas a doença não é distribuída de forma igual em todas as regiões do mundo, com disparidades geográficas muito marcadas em incidência e mortalidade.

"A Ásia, com 60% da população mundial, representa cerca de 50% de todos os casos de câncer no mundo e 56% das mortes de câncer no mundo, indicando problemas estruturais em prevenção, diagnóstico e tratamento", afirmou.

Elisabete informou que a estimativa de perda de produtividade por morte prematura de câncer, em indivíduos de 15 a 64 anos, com 36 tipos de câncer em 180 países, custa US$ 566 bilhões às sociedades, o que equivale a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

"Um terço das mortes [situa-se] no Leste Asiático, em seguida a América do Norte e a Europa Ocidental. Mas quando a gente compara a proporção da perda de PIB, as regiões mais afetadas são as Áfricas Oriental e Central", especificou.

700 mil novos casos por ano

No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 700 mil novos casos por ano no triênio 2023-2025. Segundo a OMS, o número calculado de novos casos no país vai chegar a 1,150 milhão até 2050, o que representa aumento de 83% em relação a 2022. O total de mortes vai aumentar para 554 mil até 2025, aumento de quase 100% em relação a 2022.

"É um aumento massivo. Sem dúvida, isso vai estrangular o sistema de saúde e tem que ser discutido agora, porque ações têm que ser tomadas agora para evitar um problema maior de manejamento e controle de todos esses casos", destacou Elisabete.

Em vídeo enviado para a abertura do evento, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ressaltou a importância do debate sobre o câncer na agenda global de saúde e o impacto epidemiológico que existe em todas as regiões do mundo.

"Precisamos nos mobilizar para enfrentar duas ações que exigem cooperação, que é o acesso às novas tecnologias e o enfrentamento aos produtos nocivos à saúde, como o tabaco e o consumo de alimentos ultraprocessados", disse o ministro.

Patologia

O diretor-geral do Inca, Roberto Gil, enfatizou que o seminário aborda uma patologia que vai se tornar a principal causa de mortalidade no Brasil. "A gente tem uma população envelhecendo. Temos falado de combate ao câncer, mas essa palavra deveria ser trocada por controle ao câncer. É uma doença crônica que precisa ser controlada. Os indicadores mostram que as populações vulneráveis no país estão sendo negligenciadas, influenciadas por fatores como gênero, raça e econômicos", afirmou Gil.

Para o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, o câncer é fruto de uma determinação social. "Ainda que nossos desafios sejam científicos e de políticas públicas, temos que reconhecer que o Brasil, sendo um país desigual como é, tem o desafio adicional de desenhar políticas públicas inclusivas. Este é o ponto mais importante. Uma doença que aprendemos a tratar como doença crônica, mas que tem cura, prevenção", afirmou Moreira.

O seminário é coordenado pelo ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e pelo ex-diretor do Inca, Luiz Antonio Santini. Eles estão à frente do projeto de pesquisa Doenças Crônicas e Sistemas de Saúde - Futuro das Tecnologias de Diagnóstico e Tratamento do Câncer do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

FONTE: agência Brasil

sábado, 29 de novembro de 2025

Saiba como será oferta de vacina que previne bronquiolite em bebês

 
SUS começará a aplicar o imunizante para gestantes em dezembro

O Ministério da Saúde anunciou que mulheres grávidas poderão receber a partir de dezembro a vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR), principal causador de bronquiolite em bebês. O imunizante será oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a gestantes a partir da 28ª semana da gestação.

O primeiro lote, com 673 mil doses da vacina, já começou a ser distribuído aos estados. A orientação do ministério é que, com a chegada das doses às unidades básicas de saúde (UBS), as equipes verifiquem e atualizem a situação vacinal de gestantes, incluindo ainda a imunização contra a covid-19 e a influenza, já que a vacina contra o VSR pode ser administrada junto a outras doses. Na rede particular, o imunizante pode sair por até R$ 1,5 mil.

Como funciona a vacina?

A bronquiolite é causada principalmente por infecções virais, sendo o VSR o agente infeccioso mais comum. Acomete principalmente crianças menores de 2 anos, causando dificuldade para respirar, febre e tosse.

A vacina que será oferecida às gestantes oferece proteção imediata a recém-nascidos, reduzindo a necessidade de hospitalizações quando os bebês são infectados pelo vírus sincicial.

De acordo com estudos, a vacinação materna demonstrou uma eficácia de 81,8% na prevenção de doenças respiratórias graves causadas pelo VSR nos bebês durante os primeiros 90 dias após o nascimento.

Quem pode se vacinar?

Todas as gestantes, a partir da 28ª semana de gravidez. Não há restrição de idade para a mãe. A recomendação é tomar dose única a cada nova gestação.

Bronquiolite

O vírus sincicial respiratório é responsável por cerca de 75% dos casos de bronquiolite e por 40% dos casos de pneumonia entre crianças com até 2 anos.

De acordo com o ministério, o Brasil registrou 43,1 mil casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causados por VSR em 2025, considerando dados até 15 de novembro. Desse total, 82,5% foi registrado em menores de 2 anos.

Como a maioria dos casos é provocado por infecção viral, não há tratamento específico para bronquiolite. O manejo é feito apenas com base no tratamento de sinais e sintomas e incluem terapia de suporte, suplementação de oxigênio, hidratação e uso de broncodilatadores, sobretudo quando há chiado evidente.

Fonte: Agência Brasil




Floresta em pé: lavoura e árvores reduzem impacto de mudança climática

 
Sistema combina produção agrícola com preservação ambiental

Imagine lavouras sendo cultivadas no mesmo espaço que florestas. Para ficar ainda mais evidente, poderia ser uma plantação de milho localizada à sombra de uma castanheira-do-pará, por exemplo.

Esta combinação de produção agrícola com preservação ambiental tem sido apontada por especialistas do clima e ativistas ambientais como ideal para ajudar o planeta Terra a se recuperar dos danos causados pela ação humana e que refletem no clima em forma de eventos extremos, como chuvas torrenciais e estiagens.

A este “casamento” que é, na verdade, um modelo de uso da terra justo e sustentável, dá-se o nome de “agrofloresta”.

Este sistema, que busca otimizar terrenos descampados e transformar técnicas de monocultivo em florestas biodiversas, é considerado hoje uma das principais apostas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na Terra.

A proposta é de uma agricultura não baseada em agrotóxicos e produtos químicos, mas baseada na própria ecologia, levando em consideração a existência de pragas, mas também o equilíbrio e a lógica da natureza. Daí, a junção de plantas menores - como as alimentares - com árvores maiores e com raízes profundas, para propiciar sombra e água, sempre que preciso for.

Em resposta a esta combinação, vem a diminuição da emissão de Dióxido de Carbono (CO₂) na atmosfera - a camada que protege o planeta da radiação solar e ajuda a equilibrar a temperatura. O CO₂ compõe os gases que agravam o efeito estufa, um dos causadores do aquecimento global. A matemática é simples - quanto mais árvores vivas, mais absorção de carbono pelas plantas e menos gás nocivo enviado à atmosfera.

Agrofloresta

Em entrevista ao podcast S.O.S! Terra Chamando!, Moisés Savian, engenheiro agrônomo e secretário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, contou que a ideia da agrofloresta é atuar em duas frentes: na mitigação e adaptação dos efeitos das mudanças do clima.


“Quando eu estou diminuindo a emissão de carbono, eu estou mitigando. Se eu, por exemplo, tenho um pasto ralinho e eu monto uma agrofloresta, eu vou trazer para a superfície o carbono que está excessivo na atmosfera (o carbono é absorvido pelas plantas). Se eu tenho uma lavoura de milho que não resiste muito tempo sem chuva - diante da crise hídrica - e junto esta lavoura à floresta, que tem sombra e raízes profundas, o milho se beneficiará da captação de água de uma castanheira, por exemplo”, explica.

A produção é uma coprodução da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Savian lembra ainda que a lógica da agrofloresta vai além ao agregar as questões do planeta à geração de renda e produção de alimentos, potente ferramenta contra a fome no mundo.

A ideia de florestas produtivas ganhou popularidade nas últimas semanas, durante as plenárias e reuniões da COP 30, realizada em Belém (PA). Mas este é o caminho ancestral que vem sendo apontado nos últimos anos por especialistas do clima, como já adiantou em entrevista ao podcast o climatologista Carlos Nobre.


“Os indígenas chegaram na Amazônia 12, 14 mil anos atrás, e eles sempre utilizaram o conhecimento muito bem para tudo, para a saúde deles, para alimentação, no transporte, os produtos da biodiversidade. Os indígenas utilizaram e utilizam ainda mais de 2,3 mil produtos da biodiversidade, por exemplo, 250 frutas alimentares, 1.450 plantas medicinais. Eles aprenderam a conviver muito bem com a floresta”, disse.

Embora seja uma técnica milenar, a Floresta em Pé, mesmo a passos curtos, tem ganhado espaço entre o voluntariado no Brasil e no mundo.


Troca de Saberes




Estudante Yago Fagundes participou de projeto de imersão na França . Foto: Yago Fagundes/Divulgação

Em Botuporã, cidade baiana com cerca de 11 mil habitantes e localizada a cerca de 700 quilômetros de Salvador, um projeto de cooperação internacional tem incentivado moradores e jovens lideranças a entender a importância de unir o agro à ecologia.

O município faz parte de um consórcio, iniciado em 2021, com comunidades da França localizadas na região da Alsácia do Norte.

Segundo o idealizador do projeto, prefeito da cidade francesa de Eschbach - que tem menos de mil habitantes -, Hervé Tritschberger, a ideia surgiu após tratativas com a prefeitura botuporense para valorização de agricultores, produtores rurais e capacitação de jovens voluntários para troca de saberes sobre sustentabilidade.

Foi esta cooperação internacional que, há dois anos, levou o jovem estudante de Direito Yago Fagundes a uma imersão em agroecologia em terras francesas e, depois, à aplicação no Brasil.

“A experiência no Brasil tem sido de empoderamento rural. Nós recebemos, por exemplo, especialistas franceses que capacitaram nossos agricultores na produção do queijo Tomme de Vache (queijo de leite de vaca, em livre tradução), utilizando uma receita milenar de forma sustentável. Na França, eu vivenciei essa prática de perto, morei com agricultores com o selo 'BIO' e participei ativamente da construção de cercas vivas e projetos de plantio em escolas, elementos cruciais para a biodiversidade”, lembra Yago.

O estudante de 20 anos diz que apesar do desafio da língua, a vivência internacional o fez refletir sobre resiliência, inclusive, nos cuidados com o planeta.


“A agroecologia é fundamental para combater as mudanças climáticas. Ela usa a teia do voluntariado para criar uma solidariedade internacional que fortalece o planeta. Ela atua tornando o solo um sumidouro de carbono, aumentando sua matéria orgânica e sua capacidade de reter água, o que protege as comunidades de secas e eventos extremos”, explica.

Em contrapartida, duas voluntárias francesas passaram oito meses em Botuporã para aprender técnicas de agricultura orgânica.

“Brasil e França não têm os mesmos desafios, mas temos os mesmos objetivos, que é trabalhar para o desenvolvimento sustentável. O paradoxo dos países europeus é que eles não querem produzir alimentos com agrotóxicos, mas os consomem em importações. A partir dessa troca, é preciso repensar esta validação e capacitar agricultores para este modo mais saudável e sustentável”, diz o prefeito francês.

Como resultado da experiência, foi publicado um livro com a consolidação das principais trocas, disponibilizado gratuitamente e apresentado durante o Festival Nosso Futuro, realizado no início deste mês, em Salvador.

Consciência ambiental e planetária




Wyliam Torres é adepto da plantação de verduras e leguminosas no próprio quintal de casa Foto: Wylliam Torres/Divulgação

A troca de saberes pode ir muito além das fronteiras geográficas, Brasil-França. Pode ser passada de pai para filho, entre amigos, de avó para neto, como foi o caso do jornalista socioambiental e divulgador científico Wylliam Torres.

Morador do Rio de Janeiro, ele conta que é adepto da plantação de verduras e leguminosas no próprio quintal de casa, como prática sustentável e saudável.


“A minha primeira referência em agroecologia foi o quintal da minha avó e bisavó paternas, quando eu ainda era bem novinho e, àquela época, não fazia ideia da preciosidade que estava ao meu alcance e muito menos conhecia o termo. Hoje, é claro, entendo que a agroecológica vai muito além de alimentos livres de agrotóxicos, mas ela também engloba os aspectos subjetivos da nossa vida e que o adubo das nossas raízes: o território, a tradição e a sabedoria ancestral”, relata.

Torres diz ainda que a postura ambiental reflete valores como consciência ambiental responsável e coletiva, além da justiça socioambiental.

“É nesse caminho que resgato parte da minha história, minha relação profunda com a natureza, meu senso de comunidade, minha necessidade de lutar pela vida na Terra e preservá-la”, conclui.

E mesmo de forma isolada, ele entende que não há fórmula mágica para enfrentar individualmente a crise climática.


“Quando se trata de combater os efeitos da crise climática que atravessamos, não existe uma balança que diga qual é a ação mais importante nesse processo, afinal, cada atitude que visa contrapor a lógica exploratória do agronegócio, é um ato revolucionário. Portanto, toda e qualquer ação individual que busque fugir da lógica do lucro, é sempre válida”, finaliza.

Exemplos do Brasil

Ainda acompanhando de perto o desfecho da COP 30, o Secretário de Governança Fundiária e Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Moisés Savian, adianta que o encontro tem sido uma grande oportunidade de mostrar para o mundo o que o Brasil tem feito.


“A COP foi muito positiva para o Brasil, apresentamos nossa agenda de florestas produtivas para o mundo. Além de manter, vamos ampliar a área de cobertura florestal com geração de renda e alimentos”, diz.

Para ele, é essencial pensar em um sistema de produção de alimentos resiliente às intempéries, como secas e chuvas extremas.

“Eu acho que o futuro do Brasil é avançar na agricultura resiliente, de baixo carbono, biodiversa, agricultura agroecológica nas áreas degradadas. Nós temos muita área degradada no Brasil. Nós temos muita pastagem subutilizada. São áreas em que não estão produzindo alimentos e não estão servindo para a questão ecológica também. A propósito, o governo tem trazido a ideia de florestas produtivas de agroflorestas - avançar com a produção biodiversa, de agroflorestas nessas áreas que já foram desmatadas, numa ótica de restauração, mas uma restauração produtiva.”, diz.

>> Ouça aqui o podcast S.O.S! Terra Chamando!

Savian defende ainda o incentivo financeiro de países mais desenvolvidos e, internamente, o crédito agrícola para capacitar pequenos agricultores e produtores rurais a aprenderem e utilizarem a técnica de produção de alimentos sustentável. Mas, ele chama a atenção, para um ponto ainda desafiador: ganhar o bolso e coração dos consumidores.

“Porque nós temos hoje, muita gente vive contando o dinheiro para passar o mês. Algumas outras pessoas podem pagar um pouco mais por um produto que é diferenciado. Nós nos reunimos com uma rede de supermercados internacional. E eles estão criando uma prateleira chamada de ‘produtos da floresta’. E aí, qual era o desafio que eles tinham? Muitas vezes, no mercado do varejo, ele vai precisar de 30 dias, 60 dias para pagar. O agricultor, não pode esperar tanto. E essa rede está fazendo pagamento antecipado”, diz Savian.

Segundo ele, são iniciativas como essa que podem dar um efeito mais importante - além da mobilização de governo e produtor, que é incluir o mercado consumidor como uma mola propulsora da economia sustentável, da produção decorrente do agroflorestamento.

Para Savian, a Floresta em Pé pode fazer parte da solução para a situação de emergência climática que o planeta vive.


“Acredito que é esse ‘remedinho’ que pode junto com a restauração florestal, com o combate ao desmatamento, com uma pecuária mais intensa, no sentido de ocupar melhor o espaço que já existe, sem derrubar mais árvores. Não é um remédio que você vai tomar na veia e vai resolver num dia pro outro, mas é uma dose meio homeopática - tomada em pequenas quantidades, mas de forma contínua”, conclui.

Fonte: Agência Brasil