quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Ultra processados já são quase um quarto da alimentação dos brasileiros

 
Levantamento em 93 países mostra que o consumo aumentou

A participação de ultra processados na alimentação dos brasileiros mais que dobrou desde os anos 80, passando de 10% para 23%. O alerta vem de uma série de artigos publicados nesta terça-feira (18) por mais de 40 cientistas, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).

A coletânea publicada na revista Lancet mostra que este não é um fenômeno isolado do Brasil. Dados de 93 países mostram que o consumo de ultraprocessados aumentou ao longo dos anos em todos, à exceção do Reino Unido, onde se manteve estável em 50%. O país europeu só é superado nessa proporção pelos Estados Unidos, onde os ultraprocessados perfazem mais de 60% da dieta.

Carlos Monteiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP e líder do trabalho, alerta que esse consumo crescente está reestruturando as dietas em todo o mundo, e não ocorre por acaso:


”Essa mudança na forma como as pessoas se alimentam é impulsionada por grandes corporações globais, que obtêm lucros extraordinários priorizando produtos ultra processados, apoiadas por fortes estratégias de marketing e lobby político que bloqueiam políticas públicas de promoção da alimentação adequada e saudável.”

Em trinta anos, esse consumo triplicou na Espanha e na Coreia do Norte, alcançando índices de aproximadamente 32% também na China, onde a participação dos ultra processados nas compras familiares era de apenas 3,5% passando a 10,4%. Já na Argentina, o aumento foi menor, ao longo do mesmo período, mas saiu de 19% para 29%.

Os artigos destacam que o aumento foi percebido nos países de baixa, média e alta renda, sendo que os últimos já partiram de patamares altos, enquanto as nações com renda menor registraram altas mais expressivas.

De acordo com os pesquisadores, isso reproduz um padrão percebido também dentro dos países: os ultraprocessados começaram a ser consumidos por pessoas de maior renda, mas depois se espalharam entre outros públicos.

Os pesquisadores ressalvam, no entanto, que o problema é multifatorial, influenciado pela renda, mas também por questões culturais. Alguns países de alta renda têm taxa de consumo expressivo, como o Canadá, com 40%, enquanto outras nações, com padrão semelhante, como Itália e Grécia se mantém abaixo de 25%.

O relatório lembra que esses produtos passaram a ser comuns em alguns países de alta renda após a Segunda Guerra Mundial, mas se tornaram um fenômeno global, e seu consumo se acelerou, a partir da década de 80, com a globalização. Em paralelo, também cresceram as taxas globais de obesidade e de doenças como diabetes tipo 2, câncer colorretal e doença inflamatória intestinal.

As evidências científicas produzidas ao longo desse tempo apontam que dietas ricas em ultraprocessados estão associadas à ingestão excessiva de calorias, pior qualidade nutricional e maior exposição a aditivos e substâncias químicas nocivas. Além disso, os pesquisadores fizeram uma revisão sistemática de 104 estudos de longo prazo e 92 deles relataram risco aumentado de uma ou mais doenças crônicas, incluindo câncer, doenças cardiovasculares e metabólicas.

“O conjunto das evidências apoia a tese de que a substituição de padrões alimentares tradicionais por ultraprocessados é um fator central no aumento global da carga de múltiplas doenças crônicas relacionadas à alimentação", explicam os cientistas. Eles dizem que a pesquisa sobre efeitos na saúde humana continuará, mas isso não deve atrasar as políticas e ações de saúde pública em todos os níveis "destinadas a restaurar, preservar, proteger e promover dietas baseadas em alimentos integrais e em seu preparo como pratos e refeições, que já estão atrasadas”, enfatizam os cientistas.

O que são ultra processados?

O termo “ultra processados” começou a se popularizar, após a criação da classificação nova, por pesquisadores brasileiros, em 2009. Ela divide os alimentos em quatro grupos, de acordo com o grau de modificação, após passarem por processos industriais: Alimentos não processados ou minimamente processados são vendidos em sua forma natural, ou apenas após algum processo que mantém sua estrutura básica, como congelamento, fracionamentos, moagem, embalo e etc. Exemplos: frutas e legumes; carnes e peixes, grãos e cereais embalados.
Ingredientes processados. São produzidos a partir de alimentos in natura e geralmente usados na preparação de outros alimentos. Exemplos: óleo de soja, açúcar e sal.


Alimentos processados: São os produtos do grupo 1, adicionados a ingredientes do grupo 2 ou modificados através de métodos semelhantes aos caseiros. Por exemplo: legumes e peixes enlatados, macarrão, sucos 100% feitos com frutas e etc.

Alimentos ultraprocessados: produtos comerciais resultantes da mistura de alimentos in natura baratos com aditivos químicos, altamente modificados por processos industriais. Esses aditivos têm a função de torná-los altamente duráveis, prontos para consumo e super palatáveis. Exemplo: biscoitos recheados, refrigerantes, macarrão instantâneo e iogurtes saborizados.

A criação da classificação nova também foi encabeçada por Carlos Monteiro, líder do relatório global publicado nesta terça-feira. Ele reforça que o objetivo da classificação é facilitar o entendimento sobre “como o processamento afeta a qualidade da nossa dieta e a nossa saúde” e contribuir para a criação de diretrizes, como o Guia Alimentar da População Brasileira, criado pelo Nupens para o Ministério da Saúde, que incorporou a classificação nova na sua segunda edição.

“Há 20 anos estudando as mudanças na produção de alimentos no Brasil, ligadas ao aumento da obesidade, nós percebemos que o processamento de alimentos tinha mudado de propósito. Deixou de ser para preservação de alimentos e passou a ser a criação de substitutos para os alimentos, feitos de ingredientes baratos e aditivos”, destaca.

Recomendações

Os pesquisadores também apresentam propostas para diminuir o consumo desses produtos e pedem que as grandes empresas sejam responsabilizadas pelo papel que desempenham na promoção de dietas não saudáveis. Uma das principais recomendações é que os aditivos usados, como corantes e aromatizantes, sejam sinalizados nas embalagens, assim como o excesso de gordura, sal e açúcar.

Outra medida considerada essencial é a proibição desses produtos em instituições públicas, como escolas e hospitais. Nesse ponto, o Brasil é citado como exemplo, por causa do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Brasil, que vem reduzindo a oferta desses produtos e estabeleceu que 90% dos alimentos oferecidos nas escolas devem ser frescos ou minimamente processados, a partir do ano que vem.

Os autores também propõem restrições mais rigorosas à publicidade, especialmente às que são direcionadas ao público infantil e destacam que, em paralelo a redução da oferta de ultraprocessados, é preciso aumentar a disponibilidade de alimentos in natura. Uma estratégia sugerida é a sobretaxação de determinados ultraprocessados para financiar alimentos frescos destinados a famílias de baixa renda.

A série de publicações também reforça que o aumento no consumo desses alimentos não é culpa de decisões individuais, mas responsabilidade das grandes corporações globais. De acordo com os autores, essas empresas utilizam ingredientes baratos e métodos industriais para reduzir custos, e impulsionam o consumo com marketing agressivo e designs atraentes.

Com vendas anuais globais de US$ 1,9 trilhão, os ultra processados representam o setor mais lucrativo da indústria alimentícia. Esses lucros, segundo os pesquisadores “alimentam o crescimento do poder corporativo nos sistemas alimentares, permitindo que essas empresas ampliem sua produção, influência política e presença de mercado, moldando dietas em escala global.”

Fonte: Agência Brasil

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Estudo mostra que inflamação no cérebro pode ser chave do Alzheimer

 
Pesquisa foi liderada por laboratório do neurocientista Eduardo Zimmer

Um estudo liderado pelo laboratório do neurocientista Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sugere que o cérebro precisa estar inflamado para que o Alzheimer se estabeleça e progrida. Segundo o artigo publicado na revista Nature Neuroscience, o acúmulo da proteína tau e beta-amiloide só provoca a reação dos astrócitos que participam da sinapse (comunicação entre um neurônio e outra célula) quando a microglia, célula de defesa do cérebro, também está ativada.

“Quando se diz que essas proteínas se acumulam no cérebro, queremos dizer que elas formam grumos insolúveis no cérebro, ou seja, umas pedrinhas mesmo. Essas duas células [astrócitos e microglias] coordenam a resposta imune do cérebro e nós já sabíamos que essas pedrinhas de proteínas fazem com que essas células respondam mudando para um estado reativo. Quando essas células estão reativas, o cérebro está inflamado”, explicou Zimmer.

Segundo o professor, essas evidências já haviam sido encontradas em animais e em cérebros pós-mortem, mas os cientistas nunca haviam visto essa comunicação entre as células em pacientes vivos. Esse achado foi possível devido à utilização de marcadores como exames de imagem de última geração e biomarcadores ultrassensíveis.

“Nós já sabíamos que a placa beta-amilóide [as pedrinhas que causam a inflamação] fazia o astrócito ficar reativo. O que não sabíamos é que para a doença se estabelecer a microglia também tinha que estar reativa. Então, com esses dois ativos, o astrócito se associa à placa beta-amilóide. Se o astrócito estiver reativo e a microglia não, nada acontece. Nesse contexto das duas células ativas, conseguimos explicar toda a progressão da doença com os outros marcadores, de amiloide e de tau até 76% da variância na cognição”, disse.

Zimmer ressaltou que ainda não se sabe exatamente o que causa o aparecimento da placa beta-amilóide, entretanto sabe-se que há vários fatores de risco e que a combinação de genética com as exposições durante a vida (expossoma) influenciam. Quanto mais exposições boas, menores as chances de desenvolver Alzheimer no futuro.

Entre os fatores de risco para o Alzheimer estão o tabagismo, o alcoolismo, o sedentarismo, a obesidade, entre outros. Já ao contrário, contribuem para evitar, a prática de atividades físicas, boa alimentação, qualidade do sono, estímulo intelectual.

A descoberta contribui para uma visão nova de tratamento para a doença, já que nos últimos anos a ideia era a de desenvolver fármacos que agissem nas placas beta-amilóides. A nova perspectiva sugere que pode ser necessário desenvolver medicamentos que consigam interromper a comunicação entre os astrócitos e as microglias.

“Então a ideia é a de que, além de tirar as ‘pedrinhas’, vamos precisar acalmar essa informação no cérebro, acalmar esse diálogo entre as duas células”, explicou.

Fonte: Agência Brasil

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Tornados simultâneos no Sul surpreenderam meteorologistas

 
Seis diferentes tornados se formaram quase que simultaneamente

Nos últimos anos, o registro de fenômenos meteorológicos envolvendo ventos fortes, com grande potencial destrutivo, têm se tornado mais frequentes em diferentes partes do planeta. Ainda assim, segundo especialistas, os tornados ocorridos no Paraná e em Santa Catarina, na última sexta-feira (8), teve um caráter inédito no Brasil. O fenômeno sem precedentes coincide com a realização, em Belém, da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), evento que reúne lideranças políticas, ambientalistas, pesquisadores e representantes da sociedade civil organizada para discutir formas de tentar conter as mudanças climáticas .

De acordo com órgãos estaduais, seis diferentes tornados se formaram a partir das mesmas condições atmosféricas, atingindo, quase que simultaneamente ao menos seis cidades: Rio Bonito do Iguaçu, Turvo e Guarapuava, no Paraná, e Dionísio Cerqueira, Xanxerê e Faxinal dos Guedes, em Santa Catarina.

“Não é fato incomum termos tornados no sul do Brasil” explicou o meteorologista do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), Lizandro Jacóbsen à Agência Brasil.

“Mas nestes 32 anos de existência do Simepar, este é o mais intenso [tornado já registrado no estado]. E não há registros de que vários eventos desta magnitude e abrangência tenham ocorrido em um mesmo dia, em um curto espaço de tempo”, acrescentou Jacóbsen.

O meteorologista reconhece que a urbanização das cidades e o aperfeiçoamento tecnológico podem ter facilitado a identificação de fenômenos simultâneos.

“Antes, qualquer tornado afetava muito mais zonas rurais, de forma que, muitas vezes, não havia registro ou danos. Hoje, com o adensamento urbano e a atual tecnologia, se ocorrer, nós vamos saber. Principalmente se houver estragos e estes forem registrados pela Defesa Civil”, concluiu Jacóbsen.

Consultado pela reportagem, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) acrescentou que a forte instabilidade atmosférica que originou os “prováveis tornados” que atingiram o Paraná e Santa Catarina antecedeu uma frente fria. E que esta foi potencializada por um ciclone extratropical que se formou no Rio Grande do Sul e avançou em direção ao oceano.

“Sendo comprovada a ocorrência de múltiplos tornados independentes, pode ser um evento ímpar. Lembrando, no entanto, que por se tratar de um fenômeno de micro a mesoescala [cujo raio de ação varia entre algumas dezenas de metros e quilômetros de extensão], não há registros significativamente representativos sobre a ocorrência inequívoca destes fenômeno”, advertiu o instituto. De acordo com o Inmet, “somente estudos posteriores poderão esclarecer a ocorrência de múltiplos tornados”. "Muitas vezes, é necessária uma visita ao local, por especialista, para diferenciar os danos em relação a outros eventos que podem gerar danos similares".

como se forma um tornado

Em Rio Bonito do Iguaçu, cidade de cerca de 14 mil habitantes que fica a 400 quilômetros de Curitiba, o tornado de categoria F3 na escala Fujita provocou ventos estimados entre 300 km/h e 330 km/h, causando estragos em cerca de 90% da área urbana. Ao menos cinco pessoas morreram na cidade e 432 ficaram feridas devido às consequências dos fortes ventos. Um sexto óbito foi registrado em Guarapuava.

A chamada Escala Fujita Aprimorada, ou Escala EF, é empregada por diversos países para avaliar a intensidade dos tornados com base na destruição causada e outras variáveis, como as velocidades que as rajadas de vento de ao menos três segundos de duração atingem – e que podem variar entre pouco mais de 100 km/h e 330 km/h.

Os tornados têm a forma de um redemoinho de vento girando violentamente, com grande velocidade. Formados a partir de nuvens que podem estar a até 20 quilômetros acima da superfície da Terra, produzem uma espécie de coluna de ar ascendente capaz de sugar parte do que encontra em sua trajetória. Geralmente, os tornados duram pouco tempo – moradores de Rio Bonito cujos imóveis foram atingidos na última sexta-feira relataram que tudo não durou mais que poucos segundos -, mas têm grande poder destrutivo.

Condições meteorológicas instáveis podem ocasionar outros fenômenos semelhantes, como o chamado downburst, cuja principal diferença em relação ao tornado é que o sentido da corrente de ar é descendente. Ou seja, as fortes descargas de vento se voltam em direção ao solo. E, ao atingi-lo, se espalham horizontalmente, “varrendo” a área ao redor da base da nuvem.

Menos potente que tornados e downbursts, os vendavais são provocados e se caracterizam pelo forte deslocamento de ventos, normalmente acompanhados por tempestades que podem causar quedas de árvores, interrupção no fornecimento de energia elétrica ou nas telecomunicações, danos residenciais e em plantações, destelhamentos e outras consequências..

Quando acompanhadas por ventos de mais de 119 km/h, estas tempestades são designadas conforme a região do planeta onde ocorrem: furacões no Oceano Atlântico e nordeste do Oceano Pacífico; tufões no noroeste do Oceano Pacífico e ciclone tropical no Pacífico Sul e no Oceano Índico.

Fonte: Agência Brasil




Exposição digital mostra vida nos seis biomas brasileiros

 
Versão presencial está em cartaz até 1º de fevereiro, em Belém

Uma exposição digital que reúne mais de 50 histórias de vida coletadas nos seis biomas brasileiros entre 2024 e 2025 está disponível gratuitamente até o dia 1º de fevereiro de 2026.

A mostra exibe vídeos, sons e imagens que retratam como diferentes pessoas e comunidades convivem, resistem e criam soluções em meio a transformações da terra. Inaugurada pelo Museu da Pessoa, a mostra pretende que o público reflita sobre a relação entre seres humanos e o planeta a partir de uma escuta biocêntrica, que reconhece todas as formas de vida como igualmente valiosas.

Com curadoria de Ailton Krenak e Karen Worcman, a exposição traz narrativas de povos indígenas, agricultores, artistas, quilombolas, cientistas e guardiões da natureza que compartilham suas experiências de pertencimento à Terra.


“De onde nós viemos e para onde nós estamos indo, o que nós estamos fazendo com essa experiência? A terra tem resposta para todos nós, nos lugares de onde nós nos originamos”, afirma o curador Ailton Krenak.

Krenak diz acreditar que, conseguindo abrir o pensamento para esse movimento biocêntrico, seria mais fácil entender porque os povos nativos, os povos originários, são tão agarrados aos seus lugares de origem.

“Eu percebo que isso é uma atitude biocêntrica. E é interessante que ela articula também uma ideia de comunidade. É comum, não é individual. O jeito de estar na terra é comum, é coletivo”, ressalta.

Karen Worcman, curadora e fundadora do Museu da Pessoa, destaca que, ao longo da trajetória, exposições, mostras audiovisuais e projetos educativos têm ampliado o diálogo com diferentes públicos e visibilizado como as histórias de vida são ferramentas de transformação social. “É nessa perspectiva que apresentamos essa exposição, convidando cada visitante a se reconhecer como parte dessa grande teia comum de vida”, diz Karen.

Experiência imersiva em Belém

A versão presencial da mostra “Você Já Escutou a Terra?” está em cartaz até 1º de fevereiro de 2026 no Museu do Estado do Pará, no Palácio Lauro Sodré, em Belém. A exposição convida o público a “entrar” sob a crosta terrestre, por meio de um grande manto coletivo feito de resíduos e tecidos, trilha sonora imersiva e histórias gravadas em vídeo, criando uma experiência sensorial de escuta da Terra.

Com curadoria de Ailton Krenak e Karen Worcman, expografia de Marcelo Larrea e trilha de Benjamin Taubkin, a mostra é organizada em quatro módulos: Cabine Manto, O Manto (Escutando a Terra), Rios de Memória e Fala, Museu da Pessoa.

Fonte: Agência Brasil