Acho que nunca vou parar de me espantar com a comemoração de Natal à meia-noite. Durante toda a minha infância e adolescência, o Natal era comemorado, lá em casa, na manhã no dia 25, com a entrega dos presentes, e ao meio-dia, com um almoço festivo. Lembro-me de uma exceção, um Natal passado na casa do meu avô, na Campanha, em que os presentes foram distribuídos à noite, com uma leve trapaça: antecipou-se a comemoração para as 9h. Afinal, tudo acontecia à luz de lampião e lamparina. Também me lembro do peru, cevado durante meses para o grande dia. Ficava numa gaiola ou amarrado por uma pata. A gente ficava amigo do bicho. Mas não sentia remorso algum na hora de devorá-lo. O mesmo acontecia com aquelas galinhas engordadas numa encerra para algum aniversário. A grande briga era pelo jogador, aquele ossinho feito uma forquilha que se pode puxar de cada lado. Ninguém aguentava ficar acordado até a meia-noite.
Está cada vez mais difícil dar presentes de Natal. Eu gostava de dar discos. Isso agora é uma tecnologia superada. Restam os livros. Difícil é combinar o gosto de quem dá com o gosto de quem recebe. A vida vai mudando vertiginosamente. Pizza, quando eu era guri e dormia sonhando com o presente de Natal nos meus chinelos, era torta napolitana. Teve um Natal em que ganhei uma pantalona azul. Noutro, inesquecível, recebi um exemplar de "Conversa na Catedral", obra-prima de Mario Vargas Llosa. Houve uma época, nos longínquos anos 1980, em que voltar para casa no Natal era como retornar depois de uma década de ausência. Não havia Internet. Custava caro telefonar. A maioria esmagadora das casas nem tinha telefone. O contato era feito por cartas, que, quase sempre, começavam solenemente com um "Porto Alegre, 3 de dezembro de 1983: querida mãe, tudo bem por aqui. Se tudo correr bem, vou chegar uma semana antes do Natal...".
A chegada, depois de seis meses ou até um ano de ausência, era um acontecimento. A cidade parecia incrivelmente mudada e perfeitamente igual. Era preciso rever cada ponto. A gente se espantava com coisas óbvias: o umbu centenário estava no mesmo lugar, a loja de tecidos do Salim também. Algum amigo, porém, havia partido para mundos distantes como Caxias do Sul, Bento Gonçalves ou, longe, muito longe, Mato Grosso. Uma grande façanha era comprar presentes com pouco dinheiro. Não se queria desembarcar de mãos abanando. Uma das marcas do ser humano é esse prazer em dar, em dar-se, em sentir alegria com a alegria do outro. Não há felicidade sem um pouco de pieguice. Natal era o grande encontro, uma viagem de volta para casa, um abraço apertado, um banho de sanga, um constrangimento ao ver a Ritinha casada, dois filhos, já sem o mesmo viço no olhar e no sorriso.
Natal é infância. Como se diz, não tem preço o encantamento das crianças com os presentes. O melhor do Natal é acreditar em Papai-Noel. A verdadeira perda da inocência, o primeiro passo para a idade adulta, precocemente, é deixar de crer no Bom Velhinho. Eu daria tudo para voltar a acreditar no homem de vermelho. Tudo.
Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br
Jornal Correio do Povo 24/12/2011
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sábado, 24 de dezembro de 2011
sábado, 3 de julho de 2010
CARTA AO DUNGA
Caro Dunga 
Minha solidariedade, Dunga. Tu foste genial. Eu me tornei definitivamente teu fã. A eliminação contra a Holanda não abalará em coisa alguma a minha admiração. Tu és ingênuo, Dunga. Quiseste ganhar com base na seriedade, na lealdade e no caráter. Tiveste a coragem de dizer sempre a verdade e de enfrentar os mais poderosos. Cometeste erros, Dunga, mas isso é normal. Só os cretinos imaginam fazer tudo certo. Deixaste de fora alguns meninos talentosos, Dunga, e o velho Ronaldinho Gaúcho. Tiveste boas razões para isso. Tu havias ganhado tudo com o grupo que levaste a Copa. Desejavas valorizar os teus comandados e vencer ou perder com eles. És um capitão de navio à moda antiga. Aceitaste afundar com teu navio. Tua vitória teria sido uma revolução nos costumes. Que pena!
É verdade que não apostaste na beleza. Outros, no entanto, ganharam sem beleza alguma e tampouco sem tua valentia e tua nobreza rude. A derrota foi o resultado de alguns erros que podem acontecer com qualquer um: um gol contra de Felipe Melo, uma agressão boba de Felipe Melo, que determinou sua expulsão, e a perda do controle emocional pelo time todo. O mesmo Felipe Melo, entretanto, deu o lindo passe do gol do Robinho. Estiveste a um passo da glória, Dunga. Agora, voltaste, apesar dos triunfos anteriores, a ser um desgraçado, um maldito, um desprezado. Conheço isso, Dunga. Por mais que tu venças, serás sempre um perdedor. É tua sina. Os donos do mundo não suportam a tua franqueza, que chamam de arrogância. Detestam tua simplicidade, que rotulam de grossura. Odeiam tua transparência, que os impede de conceder privilégios e de fazer negociatas na tua cara.
Foste um exemplo, Dunga. O mundo, porém, não está preparado para a tua vitória. Espero que esteja para a de Maradona, técnico antagônico e completar a ti, mas não acredito. Tomara que eu me engane. Foste bravo, Dunga, impávido, colosso. Não mandaste Felipe Melo pisar no adversário. Buscaste o equilíbrio. Apostaste no talento de Kaká e Robinho. Sonhaste com a beleza. Ela não sorriu para ti. A mídia te condenou por não teres feito o jogo dela. Viste o jogo como um jogo e tudo fizeste para alcançar os teus objetivos. Não compreendeste que o jogo é também um teatro no qual alguns devem sempre figurar nos camarotes. Até o teu sotaque incomodou, Dunga, neste país onde os que debocham do teu sotaque têm sotaques tão ou mais caricaturais. Tiveste personalidade, Dunga. Isso é imperdoável. Há muita gente feliz agora. Teus inimigos podem sorrir triunfantes e sentenciar: “Eu não disse...”
Nós, os ruins, os ressentidos, os malditos, os perdedores, apesar de todas as nossas vitórias, estamos contigo Dunga. Somos os teus representantes por toda parte. Tinhas razão, Dunga: boa parte da mídia estava dividida, torcendo pelo Brasil e, ao mesmo tempo, te secando. Para vencer neste mundo, Dunga, é preciso aprender a ser hipócrita. Tu nunca conseguirás. Tuas vitórias serão sempre laboriosas. Tuas derrotas te marcarão mais. Tu, ao contrário de outros, não te escondes jamais. Aceita, caro Dunga, meus cumprimentos.
Fonte:Correio do Povo ; Juremir Machado da Silva - 03/07/2010

Minha solidariedade, Dunga. Tu foste genial. Eu me tornei definitivamente teu fã. A eliminação contra a Holanda não abalará em coisa alguma a minha admiração. Tu és ingênuo, Dunga. Quiseste ganhar com base na seriedade, na lealdade e no caráter. Tiveste a coragem de dizer sempre a verdade e de enfrentar os mais poderosos. Cometeste erros, Dunga, mas isso é normal. Só os cretinos imaginam fazer tudo certo. Deixaste de fora alguns meninos talentosos, Dunga, e o velho Ronaldinho Gaúcho. Tiveste boas razões para isso. Tu havias ganhado tudo com o grupo que levaste a Copa. Desejavas valorizar os teus comandados e vencer ou perder com eles. És um capitão de navio à moda antiga. Aceitaste afundar com teu navio. Tua vitória teria sido uma revolução nos costumes. Que pena!
É verdade que não apostaste na beleza. Outros, no entanto, ganharam sem beleza alguma e tampouco sem tua valentia e tua nobreza rude. A derrota foi o resultado de alguns erros que podem acontecer com qualquer um: um gol contra de Felipe Melo, uma agressão boba de Felipe Melo, que determinou sua expulsão, e a perda do controle emocional pelo time todo. O mesmo Felipe Melo, entretanto, deu o lindo passe do gol do Robinho. Estiveste a um passo da glória, Dunga. Agora, voltaste, apesar dos triunfos anteriores, a ser um desgraçado, um maldito, um desprezado. Conheço isso, Dunga. Por mais que tu venças, serás sempre um perdedor. É tua sina. Os donos do mundo não suportam a tua franqueza, que chamam de arrogância. Detestam tua simplicidade, que rotulam de grossura. Odeiam tua transparência, que os impede de conceder privilégios e de fazer negociatas na tua cara.
Foste um exemplo, Dunga. O mundo, porém, não está preparado para a tua vitória. Espero que esteja para a de Maradona, técnico antagônico e completar a ti, mas não acredito. Tomara que eu me engane. Foste bravo, Dunga, impávido, colosso. Não mandaste Felipe Melo pisar no adversário. Buscaste o equilíbrio. Apostaste no talento de Kaká e Robinho. Sonhaste com a beleza. Ela não sorriu para ti. A mídia te condenou por não teres feito o jogo dela. Viste o jogo como um jogo e tudo fizeste para alcançar os teus objetivos. Não compreendeste que o jogo é também um teatro no qual alguns devem sempre figurar nos camarotes. Até o teu sotaque incomodou, Dunga, neste país onde os que debocham do teu sotaque têm sotaques tão ou mais caricaturais. Tiveste personalidade, Dunga. Isso é imperdoável. Há muita gente feliz agora. Teus inimigos podem sorrir triunfantes e sentenciar: “Eu não disse...”
Nós, os ruins, os ressentidos, os malditos, os perdedores, apesar de todas as nossas vitórias, estamos contigo Dunga. Somos os teus representantes por toda parte. Tinhas razão, Dunga: boa parte da mídia estava dividida, torcendo pelo Brasil e, ao mesmo tempo, te secando. Para vencer neste mundo, Dunga, é preciso aprender a ser hipócrita. Tu nunca conseguirás. Tuas vitórias serão sempre laboriosas. Tuas derrotas te marcarão mais. Tu, ao contrário de outros, não te escondes jamais. Aceita, caro Dunga, meus cumprimentos.
Fonte:Correio do Povo ; Juremir Machado da Silva - 03/07/2010
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