quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Como é feita a vacina da dengue? Da indústria ao braço dos brasileiros, entenda o passo a passo da produção da Butantan-DV


A vacina da dengue do Butantan é liofilizada e possui validade estendida
 (Foto: José Felipe Batista)

Bancos de células e vírus: o alicerce da produção

“A lógica dessa vacina é simples: para se replicar, os vírus do imunizante precisam de uma célula. Por isso, a origem de tudo está nos chamados bancos mestre, semente e trabalho”, explica a gerente de Produção da Butantan-DV, Daniella Ventini. Como o produto é composto por quatro “tipos” diferentes de vírus – também conhecidos como cepas ou sorotipos –, para amplificação do material são utilizadas células Vero, uma linhagem proveniente do rim do macaco verde africano.

A célula Vero original, que serve como base para a fabricação do imunizante, veio da American Type Culture Collection (ATCC), uma organização internacional que atua como uma “biblioteca” de recursos biológicos. A partir dessa “célula mãe”, uma primeira amplificação do material foi feita para criar o banco mestre, algo como um “estoque próprio” de células Vero do Butantan. Essas mesmas células passaram por uma outra etapa de amplificação, dando origem ao banco trabalho: um volume de células que será capaz de abastecer a produção de IFA da dengue por aproximadamente dois anos.

Já as cepas (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) dos quatro vírus da doença que compõem o imunizante foram desenvolvidas e doadas ao Butantan pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH). Assim como as células Vero, esse material foi amplificado para gerar o banco semente; e, depois, ampliado novamente para dar origem ao banco trabalho, capaz de alimentar a produção da Butantan-DV por cerca de cinco anos.

Armazenados em ultrafreezers e monitorados continuamente, esses bancos são o ponto de partida de cada lote do imunizante.



A fábrica da vacina da dengue funciona 24 horas, sete dias por semana
 (Foto: José Felipe Batista)

Produção do IFA: o coração da vacina

A etapa central do processo de fabricação do imunizante acontece em quatro salas distintas, onde cada cepa é amplificada individualmente. São elas que darão origem aos monovalentes que compõem o produto. O processo ocorre da seguinte maneira:

1. Amplificação das células

Um criotubo de células Vero é retirado do banco trabalho para dar início à fase de
amplificação do material, que dura cerca de 20 dias. As células são multiplicadas em meio de cultura – líquido de coloração avermelhada, rico em nutrientes, que oferece condições ideais para o crescimento das partículas –, até que se atinja uma quantidade suficiente para a produção dos lotes de IFA.

Conforme se multiplicam, as células aderem ao fundo de um frasco até formar um fino “tapete”. Quando essa camada cobre 90% da superfície, ela é “descolada” e transferida para novos recipientes. O processo se repete até gerar quantidade suficiente para a produção dos lotes de IFA de um único monovalente.

2. Inoculação

A cultura de células Vero recebe uma quantidade exata de uma das quatro cepas da dengue, provenientes do banco de vírus trabalho. Esse volume varia de acordo com a capacidade de infecção de cada cepa.

3. Incubação

Os frascos infectados com o vírus são colocados em incubadoras a uma temperatura controlada. Os vírus infectam as células Vero, criando cópias de si mesmo e liberando milhares de novas partículas virais no meio de cultura.

4. Colheita

Após um período estabelecido, o líquido sobrenadante, rico em vírus, é coletado para dar continuidade ao processo de produção do monovalente.

Purificação: aumentando a potência

Como o líquido coletado na etapa anterior não contém apenas vírus, mas também restos de células e componentes do meio de cultura, um processo de purificação é realizado para isolar e concentrar o IFA. O procedimento é realizado com as quatro cepas do vírus da dengue que compõem o imunizante, deixando-as prontas para a formulação final.

Formulação: o encontro dos quatro monovalentes
Com os quatro IFAs preparados – um para cada sorotipo do vírus da dengue –, é hora de criar a receita final do imunizante. Nesta etapa, é necessário calcular o volume de cada IFA a ser utilizado, baseado na quantidade de partículas virais presente em cada um.

Os quatro monovalentes são combinados e diluídos no excipiente da vacina. Longe de ser algo aleatório, o volume final do imunizante formulado é ideal para aproveitar toda a capacidade do equipamento de liofilização.

Envase e liofilização

Aqui, o desafio é envasar o produto, garantindo sua eficiência e durabilidade. Em uma linha automatizada e totalmente estéril, a versão líquida da vacina é depositada em frascos com volume correspondente a uma dose do produto.

“A fase final exige um alto rigor técnico. Além de assegurar as rígidas condições de esterilidade, a máquina responsável pelo envasamento faz o controle de peso de 100% dos frascos, a fim de garantir o volume exato de envase. Já as tampas de borracha são posicionadas de maneira específica sobre as ampolas para garantir a retirada gradual da água durante o processo de liofilização. Toda essa tecnologia nos permite entregar um produto eficaz, seguro e estável”, explica Alexandre Gonçalves de Rezende, gerente de Produção da Vacina da Dengue.

Após o envase, os frascos são carregados automaticamente para dentro do liofilizador, que passa a funcionar de maneira ininterrupta por cerca de quatro dias. Nesta fase, o conteúdo líquido é congelado rapidamente e depois submetido à sublimação, o que transforma a água congelada em vapor, e faz com que o conteúdo da vacina se transforme em uma pastilha liofilizada. Essa característica permite à Butantan-DV ter uma validade estendida, e poder ser armazenada em temperatura de 2°C a 8°C.

Ao final do ciclo de liofilização, ainda dentro do ambiente estéril do equipamento, as prateleiras da máquina descem e pressionam as tampas de borracha, fechando hermeticamente todos os frascos de uma só vez. Após esse processo, as tampas são lacradas com um selo de alumínio. Essa é a última etapa da produção da vacina da dengue do Butantan que ocorre na planta do PVD. As demais fases são realizadas em outras instalações do Centro Bioindustrial do Instituto.

Inspeção, rotulagem e embalagem

Depois de finalizadas, as doses de imunizante ainda passam por uma série de verificações que ajudam a garantir sua qualidade e segurança. Uma dessas etapas é a inspeção visual de 100% dos frascos por colaboradores altamente treinados do prédio de Formulação, Envase e Acondicionamento do Butantan.

“Eles examinam cada frasco contra fundos claros e escuros em busca de qualquer defeito, como rachaduras no vidro, problemas na aparência da pastilha liofilizada ou a presença de partículas estranhas”, pontua o gerente de Produção da Vacina da Dengue.

Por fim, os frascos aprovados na inspeção são rotulados com as informações do lote, e acondicionados junto com o diluente usado para reconstituir o imunizante antes da aplicação – essa substância nada mais é do que água ultrapurificada, específica para ser utilizada com produtos injetáveis.

Após essa longa e meticulosa jornada, a vacina da dengue finalizada é estocada no Centro de Armazenamento Refrigerado do Butantan, e estará pronta para cumprir sua nobre missão de proteger a população brasileira da doença.

Parte da equipe responsável pela fabricação da vacina da
 Dengue em frente ao PVD (Foto: José Felipe Batista/Comunicação Butantan)






Da esquerda para a direita: Antonio Cesar Pereira, diretor técnico da 
Produção da Vacina da Dengue; Alexandre Gonçalves de Rezende, gerente de Produção
da Vacina da Dengue; Daniella Ventini, gerente de Produção da Butantan-DV;
e Ricardo das Neves Oliveira, diretor de produção do Centro Bioindustrial
(Foto: José Felipe Batista)























Butantan leva tecnologia brasileira para a China


A fim de escalonar ainda mais a capacidade produtiva da vacina da dengue e atender a uma demanda cada vez mais crescente – segundo a Organização das Nações Unidas, a doença ameaça 4 bilhões de pessoas no mundo –, o Instituto estabeleceu uma parceria estratégica com a WuXi Vaccines, empresa global de Pesquisa, Desenvolvimento e Fabricação por Contrato (CDMO), para a fabricação de outras dezenas de milhões de doses do produto.

Além da relevante expansão operacional, a iniciativa representa um marco institucional ao posicionar o Butantan como o detentor e fornecedor de uma tecnologia única, sendo também o responsável por ensinar e supervisionar um parque industrial internacional para produzir sua vacina.

“Trata-se de uma parceria robusta e estratégica, que aumenta nossa capacidade de entrega, acelera o acesso da população a um produto essencial e reafirma o papel do Instituto como protagonista global na produção de imunizantes”, pontua Daniella Ventini, uma das responsáveis técnicas pelo acordo.

Dentre as diversas empresas avaliadas, a WuXi foi a que demonstrou as melhores condições de replicar a fabricação do imunizante tal qual acontece no Butantan, atendendo aos quesitos de celeridade, qualidade e custo.

As primeiras conversas com a farmacêutica chinesa se iniciaram em meados de 2024. Com base nessas discussões, foram estruturados dois tipos de contrato: um para reproduzir o IFA de forma idêntica ao PVD, porém em uma planta industrial estruturada pela contratada; e outro que adiciona o desenvolvimento de uma apresentação pentadose – ou seja, quando um frasco do produto concentra cinco doses do imunizante.

O negócio foi consolidado por definitivo em 31 de dezembro do mesmo ano. Na sequência, uma equipe técnica de produção do Butantan viajou para a China a fim de iniciar os primeiros treinamentos para a estruturação da nova planta internacional, com outras viagens de alinhamento acontecendo ao longo de 2025. Atualmente, o PVD possui uma equipe de profissionais totalmente dedicada à transferência de tecnologia, a fim de consolidar os trâmites e acelerar os processos.

Ainda que tenham sido mantidos todos os equipamentos e etapas industriais, a fábrica chinesa precisou passar pelas mesmas fases de validação que ocorreram na fábrica de São Paulo. “Mais uma vez, o objetivo foi garantir que o imunizante será fabricado de forma consistente, eficaz e robusta, assim como acontece aqui”, reforça Antonio Cesar Pereira.

Com a validação do processo já finalizada e avaliações sendo conduzidas nos lotes de IFA produzidos na planta internacional, a expectativa é que a validação do produto final seja concluída ainda no primeiro semestre de 2026.

Da bancada à produção em larga escala: os bastidores da saga científica e industrial da vacina da dengue do Instituto Butantan


Fonte: Instituto Butantan

Começa a distribuição da vacina contra vírus sincicial respiratório

Vacina contra bronquiolite - Foto: João Risi/MS

 Vacinação de gestantes protege recém-nascidos e reduz internações

O Ministério da Saúde começa a distribuir nacionalmente, nesta terça-feira (2), o primeiro lote da vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR). O primeiro lote, com 673 mil doses, será enviado a todas as unidades da federação para imunização gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O grupo prioritário é o das gestantes a partir da 28ª semana de gravidez. O ministério informa que não há restrição de idade para a mãe. A recomendação é tomar dose única a cada nova gestação.

Em nota, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, destaca a proteção de gestantes e bebês. “A chegada dessa vacina é uma novidade e reforça o compromisso do SUS com a prevenção e com o cuidado integral das famílias brasileiras”, afirmou.

Objetivo

O foco é a proteção dos bebês, com a redução dos casos de bronquiolite em recém-nascidos. Nesse período, os bebês são mais vulneráveis a desenvolver as formas mais graves da infecção, que levam à hospitalização.

Em 2025, até 22 de novembro, o Brasil registrou 43,2 mil casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causados pelo VSR.

Os resultados do estudo Matisse (sigla em inglês para Maternal Immunization Study for Safety and Efficacy) confirmam o benefício da vacinação.

Onde se vacinar

A gestão dos estoques das vacinas recebidas é de responsabilidade das secretarias de Saúde dos estados e dos municípios, que poderão iniciar imediatamente a vacinação nos postos de saúde nas unidades básicas de saúde (UBSs).

O Ministério da Saúde promete garantir o abastecimento necessário para a execução das estratégias locais de vacinação.

Nas UBSs, a orientação para as equipes é verificar e atualizar a situação vacinal das gestantes, incluindo as imunizações contra a influenza e covid-19, uma vez que a vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR) pode ser administrada simultaneamente com esses imunizantes.

Doses

O Ministério da Saúde comprou 1,8 milhão de doses do imunizante, incluindo as entregas do início de dezembro. As demais seguirão o calendário firmado pela pasta com estados e municípios. Confira aqui a quantidade de doses que serão distribuídas aos estados inicialmente.

O Distrito Federal é a primeira unidade da federação a receber as doses. As demais recebem até quarta-feira (3).


Fabricação nacional

Na rede privada, a vacina pode custar até R$ 1,5 mil.

A incorporação da vacina no SUS foi possível após acordo entre o Instituto Butantan e o laboratório produtor do imunizante, que assegurou a transferência de tecnologia ao Brasil.

Com isso, o país poderá fabricar o imunizante, ampliando a autonomia e o acesso da população a essa proteção contra o vírus.

Bronquiolite

A bronquiolite é uma doença respiratória aguda que se manifesta de forma grave, principalmente, em crianças de até 2 anos e também em idosos, causando dificuldade respiratória e podendo levar à morte.

A doença é caracterizada pela inflamação dos bronquíolos, que são finas ramificações que levam o oxigênio até os alvéolos dos pulmões.

Os sintomas geralmente aparecem gradualmente, até seis dias após o contágio. Entre os principais estão: obstrução nasal; coriza clara; dificuldade para respirar; tosse; respiração rápida e chiado no peito, e febre. Em situações mais graves, podem ocorrer cianose (arroxeamento dos lábios e extremidades) e pausas respiratórias.

Não existe um medicamento que cure diretamente a infecção viral, ou seja, que mate o vírus ou que desinfle o pulmão de forma imediata. Geralmente, o tratamento dos sintomas tem o objetivo de dar suporte às funções vitais das crianças, para mantê-las respirando bem, confortáveis e hidratadas.

Fonte: Agência Brasil

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Aposta online e jogo de azar custam R$ 38,8 bi ao país, mostra estudo

 
Perdas estão associadas a danos como depressão e desemprego

Jogos de azar e apostas online, popularizadas pelas chamadas bets, provocam perdas econômicas e sociais ao país estimadas em R$ 38,8 bilhões anualmente. Esse valor é o somatório de danos à sociedade, como suicídios, desemprego, gastos com saúde e afastamento do trabalho.

O cálculo é do estudo inédito A saúde dos brasileiros em jogo, divulgado nesta terça-feira (2), que analisa efeitos da expansão das apostas online no Brasil.

Acesse aqui para ver a íntegra da pesquisa.

Para ter uma noção do tamanho da perda, o valor de R$ 38,8 bilhões projetado pela pesquisa representaria expansão de 26% no orçamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida do ano passado, ou 23% a mais no Bolsa Família de 2024.

O estudo é uma parceria de organizações sem fins lucrativos dedicadas à saúde pública: o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e a Umane, e da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM), que reúne quase 200 parlamentares no Congresso Nacional.

Perdas

Os pesquisadores citam que o Brasil teve 17,7 milhões de apostadores em apenas seis meses. Eles também se baseiam em levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para estimar em cerca de 12,8 milhões o número de pessoas em situação de risco com relação a apostas.

Os autores se inspiraram em estudo britânico sobre efeito dos jogos para projetar o tamanho nas perdas diretas e indiretas para o Brasil e chegaram aos seguintes números:

- R$ 17 bilhões por mortes adicionais por suicídio

- R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida com depressão

- R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão

- R$ 2,1 bilhões com seguro-desemprego

- R$ 4,7 bilhões encarceramento por atividade criminal

- R$ 1,3 bilhão diz respeito à perda de moradia

Desse total, 78,8% (R$ 30,6 bilhões) estão associados a custos ligados à saúde.


“Estudos internacionais recentes demonstram a associação entre o transtorno do jogo e o agravamento de quadros de ansiedade, depressão e risco de suicídio”, assinala o documento, que utilizou estimativas de valor monetário para medir as perdas de qualidade e duração de vida.

Os pesquisadores afirmam que o crescimento acelerado do setor de apostas online, favorecido pela tecnologia, falta de regulação, ampla exposição midiática e pela ausência de políticas públicas estruturadas, “já apresenta impactos significativos sobre o endividamento das famílias, o aumento dos casos de transtorno do jogo e o agravamento de quadros de sofrimento mental”.

Retorno insuficiente

De acordo com o Banco Central (BC), os brasileiros destinaram cerca de R$ 240 bilhões às bets em 2024 e os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets, por meio de Pix, em agosto de 2024.

As bets foram legalizadas no Brasil em 2018, regulamentadas apenas em 2023 e só passaram a pagar volume maior de impostos a partir de 2025. Até setembro deste ano, a arrecadação com a atividade chegou a R$ 6,8 bilhões, diz o relatório. No mês seguinte, o acumulado passou para perto de R$ 8 bilhões.

“O contraste entre a arrecadação – ainda que consideremos a projeção anual de R$ 12 bilhões – e o custo anual estimado de R$ 38,8 bilhões revela uma conta que não fecha do ponto de vista do interesse público”, ressalta o texto.

Atualmente as bets são tributadas em 12% sobre a receita bruta. No Senado tramita o Projeto de Lei 5473/2025, que propõe até duplicar a alíquota para 24%. Além disso, os apostadores pagam 15% de Imposto de Renda sobre o prêmio recebido.

Os autores do estudo criticam que, de todo o valor arrecadado com as bets, apenas 1% é direcionado aos cofres do Ministério da Saúde. Até agosto, o montante efetivamente repassado somava R$ 33 milhões.

Eles lembram que essa receita não tem vinculação orçamentária específica com o financiamento de ações no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), ambiente do Sistema Único de Saúde (SUS) que oferece cuidado em saúde mental.

Redução de danos

A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, acredita que sem uma regulação firme, fiscalização rigorosa e responsabilidade das operadoras, aumentam os riscos de endividamento, adoecimento e impactos sobre a saúde mental, especialmente entre grupos mais vulneráveis.

Ela constata que as bets já fazem parte da vida de milhões de brasileiros, por isso a questão central sobre o tema deve ser em torno de garantir proteção à população.

No entanto, completa a diretora, o cenário atual mostra o oposto.

“A prática está sendo incentivada por um lobby comercial poderoso, ainda que às custas da saúde do povo brasileiro”, disse à Agência Brasil.

CPI das Bets

Os danos causados pelas bets chegaram a ser tema de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. A CPI investigou o impacto das apostas online no orçamento das famílias, supostas ligações com crime organizado e atuação de influenciadores que divulgam essas apostas.

No entanto, os parlamentares rejeitaram o relatório final, que pedia o indiciamento de 16 pessoas. Foi a primeira vez, nos últimos dez anos, que uma CPI do Senado teve o relatório rejeitado.

Sem impacto positivo

No campo econômico, o estudo considera que a atividade das bets é “irrisória” em termos de geração de empregos e renda para o trabalhador. Com base em dados oficiais do Ministério do Trabalho, o levantamento aponta que o setor representava 1.144 empregos formais.

Em termos de renda, os pesquisadores estimam que, de cada R$ 291 de receita obtida pelas empresas, apenas R$ 1 se transforma em salário formal.


“Enquanto cada trabalhador formal no setor gera cerca de R$ 3 milhões mensais em receitas para as empresas, ele próprio recebe uma fração mínima (0,34%) desse valor”, citam.

A pesquisa alerta também para a alta informalidade: 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram para a previdência em 2024, enquanto a média da economia brasileira era de 36%, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Modelo britânico

O dossiê A saúde dos brasileiros em jogo apresenta medidas existentes no Reino Unido voltadas à prevenção, ao tratamento e à regulação do setor de apostas:

- Autoexclusão: permite ao usuário bloquear o próprio acesso a todos os sites licenciados no Reino Unido por até cinco anos.

- Restrição à publicidade: permitida, mas altamente regulada. Anúncios não podem sugerir que o jogo é uma solução para problemas financeiros, ser direcionados a menores de idade ou usar influenciadores ou celebridades que tenham apelo junto ao público jovem.

- Destinação da arrecadação para o tratamento de saúde das pessoas afetadas: vale para 50% do que as bets pagam de imposto.

Sugestões para o Brasil

A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, assinala que “uma vez que a proibição ainda não está em pauta”, o instituto sugere cinco caminhos para mitigar os danos das apostas no Brasil:

- Aumentar a parcela da taxação das apostas online destinada à saúde;

- Formar profissionais de saúde no tema para realizar o acolhimento no SUS;

- Proibir propagandas e realizar campanhas nacionais de conscientização;

- Restringir o acesso, principalmente de pessoas com perfil de risco e/ou menores de idade;

- Implementar regras duras para as empresas de apostas, que visem retorno financeiro ao país, inibam a corrupção e possibilitem políticas públicas de monitoramento.


“Se o Estado entende que a legalização é um caminho sem volta, ele precisa mitigar os danos causados pelas empresas de apostas e assegurar mecanismos sólidos de redução de danos”, afirma Rebeca.

Bets contra aumento de imposto

O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade fundada em 2023, representa cerca de 75% do mercado brasileiro e reúne as principais empresas de apostas do país.

No perfil de LinkedIn da instituição, há a reprodução de um conteúdo em que a entidade se manifesta contrária ao aumento de tributação. Para o IBJR, “isso pode acabar fortalecendo o mercado clandestino”.


“A oferta legal limitada, impulsionada pela tributação excessiva, fragiliza o setor. Esse desequilíbrio aumenta o risco de operadores licenciados migrarem para o ambiente ilegal, comprometendo tanto a competitividade do mercado regulado, quanto a arrecadação governamental prevista”, registra.

De acordo com o IBJR, mais de 51% das apostas no âmbito virtual no Brasil operam na clandestinidade.

Fonte: Agência Brasil




segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

OMS estima 35,3 milhões de novos casos de câncer em 2050

diretora da Agência Internacional para Pesquisa de Câncer da OMS, Elisabete Weiderpass 

 São 10 milhões de mortes por ano no mundo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que a incidência de novos casos de câncer no mundo passará de 20 milhões em 2022 para 35,3 milhões em 2050, aumento de 77%. As estimativas globais revelam grande desigualdade da distribuição da doença. Os maiores aumentos são previstos para países de baixa e média renda, despreparados para enfrentar a explosão de casos.

Os dados foram divulgados pela diretora da Agência Internacional para Pesquisa de Câncer da OMS, Elisabete Weiderpass (foto), no seminário Controle do Câncer no século XXI: desafios globais e soluções locais, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) nesta quinta-feira (27) no Rio de Janeiro. O evento marca o Dia Nacional de Combate ao Câncer, celebrado hoje.


"São 10 milhões de mortes por câncer no mundo por ano. O câncer de pulmão foi o mais diagnosticado representando 2,5 milhões de novos casos, ou um câncer em cada oito, seguido pelo câncer de mama e colorretal. O câncer de pulmão é a principal causa de mortalidade no mundo representando 1,8 milhão de mortes", disse Elisabete.

Doença global

Segundo a diretora, o câncer é uma doença global, mas a doença não é distribuída de forma igual em todas as regiões do mundo, com disparidades geográficas muito marcadas em incidência e mortalidade.

"A Ásia, com 60% da população mundial, representa cerca de 50% de todos os casos de câncer no mundo e 56% das mortes de câncer no mundo, indicando problemas estruturais em prevenção, diagnóstico e tratamento", afirmou.

Elisabete informou que a estimativa de perda de produtividade por morte prematura de câncer, em indivíduos de 15 a 64 anos, com 36 tipos de câncer em 180 países, custa US$ 566 bilhões às sociedades, o que equivale a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

"Um terço das mortes [situa-se] no Leste Asiático, em seguida a América do Norte e a Europa Ocidental. Mas quando a gente compara a proporção da perda de PIB, as regiões mais afetadas são as Áfricas Oriental e Central", especificou.

700 mil novos casos por ano

No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 700 mil novos casos por ano no triênio 2023-2025. Segundo a OMS, o número calculado de novos casos no país vai chegar a 1,150 milhão até 2050, o que representa aumento de 83% em relação a 2022. O total de mortes vai aumentar para 554 mil até 2025, aumento de quase 100% em relação a 2022.

"É um aumento massivo. Sem dúvida, isso vai estrangular o sistema de saúde e tem que ser discutido agora, porque ações têm que ser tomadas agora para evitar um problema maior de manejamento e controle de todos esses casos", destacou Elisabete.

Em vídeo enviado para a abertura do evento, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ressaltou a importância do debate sobre o câncer na agenda global de saúde e o impacto epidemiológico que existe em todas as regiões do mundo.

"Precisamos nos mobilizar para enfrentar duas ações que exigem cooperação, que é o acesso às novas tecnologias e o enfrentamento aos produtos nocivos à saúde, como o tabaco e o consumo de alimentos ultraprocessados", disse o ministro.

Patologia

O diretor-geral do Inca, Roberto Gil, enfatizou que o seminário aborda uma patologia que vai se tornar a principal causa de mortalidade no Brasil. "A gente tem uma população envelhecendo. Temos falado de combate ao câncer, mas essa palavra deveria ser trocada por controle ao câncer. É uma doença crônica que precisa ser controlada. Os indicadores mostram que as populações vulneráveis no país estão sendo negligenciadas, influenciadas por fatores como gênero, raça e econômicos", afirmou Gil.

Para o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, o câncer é fruto de uma determinação social. "Ainda que nossos desafios sejam científicos e de políticas públicas, temos que reconhecer que o Brasil, sendo um país desigual como é, tem o desafio adicional de desenhar políticas públicas inclusivas. Este é o ponto mais importante. Uma doença que aprendemos a tratar como doença crônica, mas que tem cura, prevenção", afirmou Moreira.

O seminário é coordenado pelo ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e pelo ex-diretor do Inca, Luiz Antonio Santini. Eles estão à frente do projeto de pesquisa Doenças Crônicas e Sistemas de Saúde - Futuro das Tecnologias de Diagnóstico e Tratamento do Câncer do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

FONTE: agência Brasil